|
Alentejo, José Alves |
Caminho em silêncio, atravesso o parque, escutando o som dos meus passos incómodos. A Primavera extemporânea já fez sorrir flores precoces, todavia um frio gélido recorda-me a estranheza do dia. Ladeio sobreiros com pensamentos cruzados e, em frente, nuvens pesadas sublinham geografias que conheço, mas não habito.
Há um horizonte de neve e anunciam-me a morte de Stéphane Hessel. Escureço intimamente como se a II.ª Guerra estivesse de regresso e humanistas partissem numa onda de tirania.
|
Mont Blanc, José Alves |
A voz de Mariangela cantada, no seu sotaque das montanhas de Emilia Romagna, agora residente em Milão, ecoa-me por dentro. Tivemos eleições, «Cara», para sabermos que não elegemos ninguém...e eu, na distância, lá fui tentando explicar que talvez estejamos num vórtice qualquer, numa curva da História. Não me vergo à desumanidade. Não me converto ao medo...
|
Emilia Romagna, José Alves |
Atravesso o parque e ensaio a fuga - que a minha mente não ma roubam - e vagueio no espaço, antes do recomeço das minhas horas escravas de trabalho infindável. Por mais que me convertam na máquina que desenharam, a ruína espreita o velho país que se perfila no Atlântico e o Norte desta Europa pesará aos ombros do Sul claro e luminoso.
|
Roma, José Alves |
Em Roma, me dizem, declinam impérios. Em Avinhão - talvez - germina um cisma. Dois papas, afinal, são a evidência da crise que se aloja, já o sabemos, sob a colunata barroca - lá onde a Banca estende seus braços de polvo e um outro alemão zeloso vigiará o dinheiro de César. A isto tudo Deus há-de sobreviver, os homens, esses, já não os garanto...que Leonardo morreu há muito e o seu génio se cobre de cinzas.
|
Casa-museu Leonardo da Vinci, Florença - José Alves
|
Nuvens negras ameaçam incautos. Apresso o passo que a grade me espera e, lá longe na memória, saúdo o sol e a luz. Pedagoga e escrava, o mar Egeu clama pela minha alma (se ainda ela me habitar) e os deuses sabem que os quero e amo se servirem as suas criaturas e as elevarem aos ideais da Verdade e da Justiça.
|
Mar Egeu, Grécia, José Alves |
8 comentários:
Acompanho-te os passos até te interrogares se a alma ainda te habita (aí, sorri)... e só te digo que não és a máquina que eles desenharam. Tarde o descubrirão, mas há algum tempo que eu sabia.
Um excelente texto que nos leva a viajar na história e transmite conceitos e vivências de agora e de outrora. Só que não podemos voltar atrás e recomeçar a vida que passou por nós.
Resta-nos a nossa mente para podermos livremente navegar nesta fabulosa viagem que é a vida.
Um braço,
J
Viajei contigo...obrigada
Belas estas fotos.
A segunda guerra não regressou, amiga: estamos já plenamente na terceira!
Bons sonhos
Belíssimo
contra todos os silêncios
Não me vergo à desumanidade. Não me converto ao medo...
Uma viagem pelo tempo com a força de uma lutadora.
Vou contigo minha amiga!
beijinho
Fê
Minha amiga
Que prosa mais bela! Um passeio pela História, passada e presente e já pressagiando o futuro; uma viagem ao mundo dos afectos lembrando nomes, momentos e lugares.
E a manifestação lena do teu talento!!!
Bjs
Olinda
Uma viagem deliciosa, sublinhada por um excelente texto.
Gostei imenso.
Ana, minha querida amiga, tem uma boa semana.
Beijo.
Enviar um comentário