Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

SINAIS DE FOGO...sugestão de leitura





«Romance único de Jorge de Sena, parcela de um projecto romancesco de grande dimensão cuja designação genérica seria Monte Cativo, objectivando o recorte de uma geração nascida nos finais dos anos 10 do século XX, Sinais de Fogo abriga em si o despertar de um jovem, entre um grupo de amigos e familiares, para a sexualidade, a política e o fazer poético.
De uma erudição e de um rigor literário inexcedíveis, aqui se fixa um olhar sobre o ano de 1936 português, tendo como pano de fundo o início da Guerra Civil de Espanha.

Colecção Mil Folhas.»



Paradise, Califórnia  (Google, news)


GÉNESIS
De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.

Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça... -Ai quantos que eram novos
em  vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade...Ó transfusão dos povos!

Não há verdade:  o mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.

                                                                                                         Jorge de Sena



«Jorge Cândido de Sena nasceu em 2 de Novembro de 1919 em Lisboa. Terminou em 1936 o seu curso de liceu (média de 13 no 5.º e 6.º anos, média de 14 no 7.º ano), ano em que se inscreveu nos preparatórios para a escola naval . Formou-se em engenharia civil na faculdade de engenharia do Porto (licenciou-se com 13 valores).
Até 1959 foi funcionário da Junta Autónoma de Estradas, data em que se exila no Brasil, onde conclui o doutoramento em letras e rege as cadeiras de teoria da literatura e literatura portuguesa na Universidade de Araquara.
A partir de 1965 passa a viver nos E.U.A. acompanhado da esposa Mécia de Sena, de quem teve nove filhos, sendo professor catedrático na Universidade de Winsconsin e, posteriormente na Universidade da Califórnia - Santa Bárbara, onde dirigiu o departamento de literatura portuguesa e espanhola. Recebeu ao longo da sua vida vários prémios, entre eles a Grã-Cruz de Santiago.
Faleceu em 4 de Junho de 1978. Três dias depois, a Assembleia da República exprimia pesar unânime, certamente partilhado por todos os que tiveram a honra de o conhecer a si ou à sua obra.»







quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Temos o dever

Revista, Exame


Esta não é uma marcha triunfal. 
Não vivemos num tempo em que se possa perdoar o hedonismo. A ilusão do mundo virtual não pode distrair a triste realidade de afloramentos perigosos. A decadência narcisista tomou conta dos valores humanos, especialmente no, dito, Ocidente...
Entre o Modernismo e uma Idade por vir, atolamos a Humanidade numa Idade do Meio, uma Idade Média em que tudo se desconstrói.
Temos o dever de desconstruir a superficialidade reinante.
Assim, e para que nunca possas dizer que não te falei das flores, recordemos o duro silêncio de todas as religiões e a mudez de todas as almas que se dizem boas...
Não me peças um poema doce, pois este é um caminho para perigosos regressos e já outros, antes de mim, ergueram as suas vozes. 




Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou não Nas escolas nas ruas, campos, construções Caminhando e cantando e seguindo a canção Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer Pelos campos há fome em grandes plantações Pelas ruas marchando indecisos cordões Ainda fazem da flor seu mais forte refrão E acreditam nas flores vencendo o canhão Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Há soldados armados, amados ou não Quase todos perdidos de armas na mão Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição De morrer pela pátria e viver sem razão Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Nas escolas, nas ruas, campos, construções Somos todos soldados, armados ou não Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou não Os amores na mente, as flores no chão A certeza na frente, a história na mão Caminhando e cantando e seguindo a canção Aprendendo e ensinando uma nova lição Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Vem, vamos embora, que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

domingo, 4 de novembro de 2018

Ao Deus de Espinoza...





"Orfeu Encantando os Animais", por Aelbert Cuyp, 1640



Baruch Espinoza nasceu em 1632 em Amesterdão, descendendo de judeus portugueses, e morreu em Haia em 1677. Foi um dos grandes racionalistas do século XVII, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz.   
Em certos dias, apetece-me orar ao Deus de Espinoza... 




      
DEUS SEGUNDO ESPINOZA

"Pára de ficar rezando e batendo no peito!

O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e usufruas da tua vida.

Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que fiz para ti. 

Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e

frios que tu mesmo construíste e que acreditas serem a minha casa.

A minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas

praias.

Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti. 

Pára de me culpar da tua vida miserável:

Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, 

ou que tua sexualidade fosse algo condenável.

O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar 

o teu amor, o teu êxtase, a tua alegria.

Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer. 

Pára de ler supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo.

Se não podes ler - Me num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus

amigos, nos olhos de teu filhinho...

não me encontrarás em nenhum livro!

Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais - me dizer como fazer o meu

trabalho? 

Pára de ter tanto medo de mim. 
Eu não te julgo, nem te
critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo.

Eu sou Puro Amor.    Pára de me pedir perdão. 

Não há nada a perdoar.

Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres,

de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.

Como posso culpar-te se respondes a algo que eu pus em ti?

Como posso castigar-te por seres como és, se Eu sou quem te fez?

Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos

que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?

Que tipo de Deus pode fazer isso? Esquece qualquer tipo de

mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te

manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.

Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti.

A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que

teu estado de alerta seja teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho,

nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.

Esta vida é a única que há aqui e agora, e a única de que precisas.

Eu te fiz absolutamente livre. Não há prémios nem castigos.

Não há pecados nem virtudes.

 Ninguém leva uma placa.
 Ninguém leva um registo.

Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.

Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso dar-te um conselho:

Vive como se não o houvesse.

Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.

Assim, se não há nada, terás aproveitado a oportunidade que te dei.

E se houver, tem certeza que Eu não te vou perguntar se foste bem

comportado ou não.

Eu vou perguntar-te se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais

gostaste? O que aprendeste? 

Pára de crer em mim - crer é supor,
adivinhar, imaginar.
Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.

Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas

tua filhinha, quando acaricias o teu cachorro, quando tomas banho no
mar. 

Pára de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra acreditas, tu, que Eu seja?

Aborrece - me que me louvem. Cansa-me que agradeçam.

Tu sentes-te grato?
Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde, das tuas relações, do mundo.

Sentes-te olhado, surpreendido?
 Expressa a tua alegria!
 Esse é o modo de me louvar.   
Pára de complicar as coisas e de repetir como

papagaio o que te ensinaram sobre mim.

A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este

mundo está cheio de maravilhas.

Para que precisas de mais milagres?

Para quê tantas explicações?

Não me procures fora! Não me acharás.
Procura-me dentro de ti,
aí é que estou."



Resultado de imagem



Einstein, quando interrogado se acreditava em Deus, respondeu:

"Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo e na

harmonia de tudo o que existe.