Maria João Fernandes
Às vezes passeio pela memória, escorrego no tempo interior, e tenho reencontros felizes. Olho, vagamente um quadro dependurado na minha frente. Está ali há tempos. A sua autora já habitou os meus dias como o quadro se instalou na minha parede ainda há mais tempo. Ah, o Tempo que não devora tudo! Desiludam-se os Antigos...eu prefiro Sophia de Mello Breyner,
Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.
Maria João Fernandes foi minha professora de Literatura e eu, qual Saramago a ler Ricardo Reis (que ousadia), pensei durante algum tempo que Joana Lapa seria outra pessoa. Afinal, a minha mestra, mulher de muitos talentos - professora, crítica de arte, ensaísta, curadora, poetisa, humana de olhar claro e doce - escreve poemas por detrás de um pseudónimo. O mesmo que ali está na serigrafia de homenagem a Almada Negreiros: Joana Lapa. Conheci-a tão jovem. Acreditou tanto em mim. Ah, não sei se a não defraudei...
Aqui vos deixo um dos seus poemas: (daqui)
No litoral submerso do meu ser
a pena de uma gaivota
amante do verão
escreve os gestos da espuma.
O pássaro a que pertence
atravessou o sol,
as fronteiras do dia
para acordar no lilás das sombras
a ressurreição do mundo.
Cadernos do Vento