Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

«Porque temos uma obrigação»

Fundação José Saramago

« As minhas palavras são de agradecimento. A Fundação José Saramago teve uma ideia, louvável por definição, mas que poderia ter entrado na história como uma simples boa intenção, mais uma das muitas com que dizem estar calcetado o caminho para o inferno. Era a ideia editar um livro. Como se vê, nada de original, pelo menos em princípio, livros é o que não falta. A diferença estaria em que o produto da venda deste se destinaria a ajudar as vítimas sobreviventes do sismo do Haiti. Quantificar tal ajuda, por exemplo, na renúncia do autor aos seus direitos e numa redução do lucro normal da editora, teria o grave inconveniente de converter em mero gesto simbólico o que deveria ser, tanto quanto fosse possível, proveitoso e substancial. Foi possível. Graças à imediata e generosa colaboração das editoras Caminho e Alfaguara e das entidades que participam na feitura e difusão de um livro, desde a fábrica de papel à tipografia, desde o distribuidor ao comércio livreiro, os 15 euros que o comprador gastará serão integralmente entregues à Cruz Vermelha para que os faça seguir ao seu destino. Se chegássemos a um milhão de exemplares (o sonho é livre) seriam 15 milhões de euros de ajuda. Para a calamidade que caiu sobre o Haiti 15 milhões de euros não passam de uma gota de água, mas A Jangada de Pedra (foi este o livro escolhido) será também publicada em Espanha e no mundo hispânico da América Latina – quem sabe então o que poderá suceder? A todos os que nos acompanharam na concretização da ideia primeira, tornando-a mais rica e efectiva, a nossa gratidão, o nosso reconhecimento para sempre».
José Saramago

domingo, 24 de janeiro de 2010

Dia

Gustavo Poblete


De que céu caído,
oh insólito,
imóvel solitário na onda do tempo?
És a duração,
o tempo que amadurece
num instante enorme, diáfano:
flecha no ar,
branco embelezado
e espaço já sem memória de flecha.
Dia feito de tempo e de vazio:
desabitas-me, apagas
meu nome e o que sou,
enchendo-me de ti: luz, nada.

E flutuo, já sem mim, pura existência.


Octavio Paz, Liberdade sob Palavra
Tradução de Luis Pignatelli




Gustavo Poblete



Obrigada, Gerana, pois olhaste o meu tempo.



quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

«E as Crianças, Senhor?»


Guerdy J. Préval - pintor do Haiti


«Se a morte fosse um bem, os deuses não seriam imortais.»
Safo



Haiti -terramoto

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Reis e heróis

Goya, A Carga dos Mamelucos

Varamos, uma vez mais, a planície. Águias, pousadas e pensativas no alto de velhos postes telefónicos, espreitam a nossa passagem. Contemplam e não se assustam. Pressentem a nossa comunhão com este espaço em que sinais de abandono sublinham o vazio. Um céu de chumbo pesa sobre nós. Desabará a seguir sobre as linhas de Elvas e, na erosão, ameaçará apagar a História.
Cruzamos o Caia.
O Reino de Badajoz, também conhecido como Emirado de Badajoz ou Taifa de Badajoz é, ainda, um estilhaço do Al-Andalus. Atmosfera de um século, talvez X ou XI. O rosto das gentes testemunha-o.
A História destes lugares escreve-se com sangue de muitas gerações em epopeias frementes de ruína e fervor - Francisco de Goya é a paleta dessa gesta.
Mergulhamos na calle Menacho e não compramos nada. A céu aberto o velho general vende de tudo nesta véspera de Reis. Os extremenhos apressam-se na compra de presentes de última hora. Logo à noite celebrarão o apogeu natalício numa cacofonia familiar extraordinária.



Rua general Menacho

Descemos a rua do herói independentista Rafael Menacho y Tutlló e temos plena consciência desta Espanha fragmentária,mal sedimentada pelos séculos, mas assim mesmo crédula de uma identidade abstracta que M. de Unamuno bem soube definir.
Edifícios que comprovam a influência dos irmãos Churriguerra espreitam com fachadas algo disformes. Chocam a pureza de linhas do meu Alentejo e, por isso, nós usamos um termo de corruptela linguística para este gosto arrevesado de Barroco tardio que não se apurou por ter convivido com o neoclássico: «corriqueiro».

Rua Francisco Pizarro

A rua Menacho desagua nesta silenciosa, deserta e fria rua Pizarro, como se uma má consciência a assombrasse mais ainda. O guerreiro destruidor de cultura americana vagueia por aí. Tenho frio. Sinto-me estrangeira.




La Soledad e Giralda

E, de súbito, ficamos entre dois mundos, quando olhamos da Praça de la Soledad - árabes e cristãos velhos enrugaram a fisionomia de Badajoz com os seus edifícios - à minha direita a Igreja de la Soledad, vigiada pela Torre da Giralda.
Sombras e luz. Penumbras e medos.


Praça Alta, Badajoz

E, cá estamos no centro histórico da cidade...local de encontros, cruzamento de culturas.

Ana

sábado, 2 de janeiro de 2010

Tempos Circulares


calendário maia

Sejam felizes ...e, por favor, não me falem mais do tenebroso calendário maia. Tempos difíceis, são tempos de esperanças - lunares, solares e milenares.




calendário hindu


¿TANTO HE PERDIDO contacto con la realidad
que me imagino escribiendo poesía?
De seguro tus devotos ilustres
todos poetas famosos, se reirán de mí
Hoy enfrento la prueba más dura de mi vida:
no tengo ninguna experiencia
y me han pedido que cante.
Soy el inocente a quien piden pecar
sin haber probado lo que ha de cometer.
Soy sólo un principiante, inculto en el arte,
ni siquiera mi Maestro se me ha revelado.
Ilumíname e inspírame, oh Señor.
Dice Tuka: el tiempo se me acaba.


(T U K A R A M, poeta indiano)



calendário chinês



A Verdade que pode ser descrita em palavras não é a Verdade permanente.
O Nome que pode ser nomeado não é o Nome permanente.
Não tendo nome é o princípio de todas as coisas.
Tendo nome é a mãe de todas as coisas.
Assim, quem permanece sem desejo, vê a essência.
Quem permanece com desejo, vê a expressão.
Os dois têm a mesma origem, diferenciando-se nos nomes por que são chamados.
Profundamente oculta é a porta para se conhecer a essência dos seres.

(poema chinês)



calendário romano


Não sondes o destino, amiga, que os deuses
nos reservaram, nem interrogues
os astrólogos da Babilónia.
Enfrentemos o que vier, seja o que for.
Quer Júpiter te conceda muitos invernos
quer seja este o último
em que as ondas do Tirreno
castigam os rochedos,
sê sábia e prova teus vinhos.
A vida é breve,
não alimentes longas esperanças.
Enquanto falamos,
o tempo, invejoso, foge:
vive o presente,
o menos crédula possível
no dia seguinte.

(Horácio)



calendário islâmico


Mí presencia aquí no fue elección mía;
A mi pesar el destino me acosa
para que me vaya.
Levántate, envuelve un trapo
a tu cintura, mi SakÍ,
Y embriágate para alejar la miseria
de este mundo.

Si hubiera sido mi elección,
¿habría venido?
¿Y en que me habría convertido?
¿Qué mejor fortuna podría
haber hallado
Que no venir, devenir o incluso ser?


(RUBA-I-YYAT OMAR AL-JAYYAM, poeta muçulmano)




calendário judaico


Tu és!

Nem a audição do ouvido, nem a luz dos olhos

Podem ouvir-te.

Nem modo, nem causa,

Nem lugar te convêm como atributos.

Tu és!

O teu mistério está escondido:

Quem poderá sondá-lo?

Tão profundamente, tão profundamente:

Quem poderá encontrá-lo?


(Cântico judaico)







http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/calendarios/imagens/calendario-grego-3.gif

calendário grego


É assim, eu o creio, que alguém, o primeiro,

Persuadiu os mortais de formar o pensamento

De que existem deuses.

(Crítias, B xxv, op. cit., p. 1145-1146)