Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 23 de março de 2011

Pensar o Meu País


José de Guimarães



«Pensar o meu país. De repente toda a gente se pôs a um canto a meditar o país. Nunca o tínhamos pensado, pensáramos apenas os que o governavam sem pensar. E de súbito foi isto. Mas para se chegar ao país tem de se atravessar o espesso nevoeiro da mediocralhada que o infestou. Será que a democracia exige a mediocridade? Mas os povos civilizados dizem que não. Nós é que temos um estilo de ser medíocres. Não é questão de se ser ignorante, incompetente e tudo o mais que se pode acrescentar ao estado em bruto. Não é questão de se ser estúpido. Temos saber, temos inteligência. A questão é só a do equilíbrio e harmonia, a questão é a do bom senso. Há um modo profundo de se ser que fica vivo por baixo de todas as cataplasmas de verniz que se lhe aplicarem. Há um modo de se ser grosseiro, sem ao menos se ter o rasgo de assumir a grosseria. E o resultado é o ridículo, a fífia, a «fuga do pé para o chinelo». O Espanhol é um «bárbaro», mas assume a barbaridade. Nós somos uns campónios com a obsessão de parecermos civilizados. O Francês é um ser artificioso, mas que vive dentro do artifício. O Alemão é uma broca ou um parafuso, mas que tem o feitio de uma broca ou de um parafuso. O Italiano é um histérico, mas que se investe da sua condição no parlapatar barato, na gritaria. O Inglês é um sujeito grave de coco, mas que assume a gravidade e o ridículo que vier nela. Nós somos sobretudo ridículos porque o não queremos parecer. A politiqueirada portuguesa é uma gentalha execranda, parlapatona, intriguista, charlatã, exibicionista, fanfarrona, de um empertigamento patarreco — e tocante de candura. Deus. É pois isto a democracia? »


Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'

9 comentários:

Andradarte disse...

Pensei que estava a ler uma referencia
ao triste estado actual da nossa DEMOcracia...Para onde vais PORTUGAL....
Beijo

sofia disse...

Vergilio Ferreira :)

É uma verdade ! beijinho*

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

não sei porque mas quando alguém fala de Portugal em alguns casos penso que fala sobre o Brasil, enfim o Brasil é português

Bípede Implume disse...

Querida Aninha
Após resolvidos alguns problemas com "minha" Net, Cá estou.
Que pontaria tão certeira, minha amiga.
É o grau maior da mediocridade.
Também me pergunto se é isto a democracia. Mas depois olho para os países, onde ela existe há mais tempo e vejo que ainda temos um grande caminho a percorrer.
Se, entretanto, não, a perdermos pelo caminho.
Beijinhos...já estava com saudades.
Isabel

Cristina disse...

Bom fim de semana, Ana.Beijinhos

Anónimo disse...

Este comentário é real, actual e, apesar de causticante, é verdadeiro e dilacera.

Há anos atrás, estive num auditório que acompanhou uma palestra de Ernâni Lopes.

Para surpresa de todos, foi ouvido

«...Todos metemos na cabeça um capacete de realidade virtual. Olhamo-nos no espelho e achamo-nos ricos.
Já não é preciso estudar;
Já não é preciso trabalhar...

Alguém vai a algum lado pensado que basta consumir e divertir-se?»

As nossas elites, desde o Sec.XIX chamam a atenção para a nossa idiossincrasia.

Lembras-te das
Conferências do Casino
(Antero, Eça, Ramalho)
Causas da Decadência do Povos Peninsulares
(Antero)
Labirinto da Saudade
Eduardo Lourenço
Português Suave
O'Neill

Pois é.
Sempre atrapalhados; quase sempre a confiar que um enrascanço pode ser desenrascado!

Bjs, Ana

Bípede Implume disse...

Querida Aninha
Beijinhos e desejos de paz e harmonia.
Isabel

Nilson Barcelli disse...

Actual, certeiro e contundente.
A mediocridade é mesmo a tónica dominante dos nossos políticos. Há muitas décadas. Ou até séculos... Mas temos o que merecemos.
Querida amiga, tem um bom fim de semana.
Beijos.

Margarida disse...

Que mais se pode dizer?! Aí está o V.Ferreira intemporal...

Beijinhos e bom fim-de-semana