Em videoconferência com o escritor, a partir do Brasil.
Mergulhada em trabalho...com muito gosto, mas sem tempo. Voltarei devagar...
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RIBEIRO, Carlos, «A cidade Revisitada», Contos de sexta-feira e duas ou três crónicas, Bahia, selo Primeira Edição, 2010
Observamos o livro que atravessou o Atlântico e pensamos em antigos baús incógnitos que, nos idos, terão feito o percurso inverso carregando velhas edições que escaparam à apertada malha inquisitória. Mergulhamos na leitura e deixamo-nos cativar pela Língua. A matéria linguística transmuda-se num discurso eivado de simbologias que a frase curta, ritmada e poética faz emergir de um tempo futuro, «naquela manhã ensolarada de Agosto do ano de 2018»[1], que regride a um passado/presente o qual possibilita retornos, ainda mais remotos, a uma memória umbrosa e original.
A personagem central, «O homem de óculos e roupas surradas»[2], persona que regressa, ocultando o seu olhar transformante, ao jeito aristotélico, mas deambulando com uma construção de nouveau roman, tal como Alain Robbe-Grillet no-la propôs, reforça-nos a maturidade literária do texto. Viajamos, num táxi rotineiro, acompanhando o olhar oculto do homem. Não saberemos o nome da personagem, mas ela nos guiará pela orografia e toponímia de Salvador e a cidade – agora perfeita, ideal e luminosa – oscila numa vertigem temporal entre a realidade e o imaginário. Uma tecitura complexa de recriação de um espaço – tempo que se instaura no universo do mito. «O homem de óculos» percorre o lugar de uma ausência. O seu mundo, moldado por parcos advérbios que abrem a clivagem subjectiva do sujeito («Sorri timidamente»[3], «surpreendentemente boas»[4]), é percorrido pelo olhar num jogo especular surpreendente. Ocorre-nos uma frase de John Berger – A vista chega antes das palavras [5]. A vista, afirma o mesmo autor e já o sabemos, «estabelece o nosso lugar no mundo que nos rodeia»[6]. A narrativa de Carlos Ribeiro testemunha-o bem.
A personagem sabe que num presente anterior ao tempo da história o caos e a descaracterização urbanística foram uma «tragédia absurda»[7]. A recordação de uma paisagem impoluta e natural feita de areias, coqueiros e mar – qual éden inicial – sacraliza o espaço. A ele se regressa num tempo de imagens diurnas, por «um túnel de bambus»[8], numa passagem ritual magnífica. A seguir, com uma recorrência ab initio, numa ironia subtil eivada de hipérbole e de pormenores que o olhar capta, enquanto deambula com sentimento de pertença e maravilha, leva-nos ao intertexto in memoriam de Vasconcelos Maia. E, a cidade brilha, cristalizada, instala-se na ficção – lugar ideal em sobreposição temporal e textual. O outro habita a linguagem, numa duplicidade que exige medo e contenção. Salvador recobrou a sua autenticidade toponímica, pois nomear é sacralizar. Como em M. Duras, as personagens desencontram-se na linguagem, estranham-se e repelem-se, «Ele não responde. O motorista liga o rádio»[9]. O homem que regressa é escritor e conhece o frágil equilíbrio dos lugares belos, «Lugares escolhidos para ali se viver, residências invisíveis que construímos para nós à margem do tempo»[10] e o vértice desses lugares culmina no farol, onde o ritual de observação do pôr-do-sol, às sextas-feiras, era momento redentor. O largo da prefeitura metamorfoseou-se, através de um processo de idealização diurna e recuo autístico, num espaço ajardinado. Incrédulo, o homem percebe que a vida regressou ao centro da cidade antiga, «ambas convivendo em perfeita harmonia, no espaço ideal da memória e da afectividade»[11].
A cidade ideal, sonhada pelos construtores fraternos e pacíficos, renasceu e recobrou a magia, numa cosmogonia que, sabemo-lo, não é do domínio da ciência, mas etérea e poética, como a escrita de Carlos Ribeiro.
Foi uma leitura de um fôlego, pura fruição do texto, foi a atracção magnética de uma prosa que nos deu uma visão da Salvador idealizada, mas mais do que isso, o Autor transferiu-nos para uma generosa expressão do homem no mundo. Concluímos, com o receio do narrador «de que tudo aquilo não passe de um sonho»[12]. Logo, o acto de ler/escrever continua a ser o pharmacon[13] para a interpretação do real aparente.
Ana Tapadas e 12.º ano D
ESPS – Junho/2011
[1] RIBEIRO, Carlos, «A cidade Revisitada», Contos de Sexta-feira e duas ou três crónicas, pág.37
[2] O.c., pág. 37
[3] Idem, ibidem
[4] Idem, ibidem
[5] BERGER, John, Modos de Ver, Edições 70, Lisboa, 1972, pág. 11
[6] Idem, ibidem
[7] RIBEIRO, Carlos, o.c., pág. 37
[8] Idem, ibidem
[9] RIBEIRO, Carlos, o.c., pág. 41
[10] YOURCENAR, Marguerite, Memórias de Adriano, Editora Ulisseia , Lisboa, s.d., pág. 269
[11] RIBEIRO, Carlos, o.c., pág. 42
[12] Idem, ibidem
12 comentários:
Época de exames....trabalhos dobrados..
Beijo
Olá, Ana
Faço minhas as palavras de Andradarte e... Bom trabalho! :)
Sobre Carlos Ribeiro, não o conhecia. Assim, agradeço esta recensão crítica e o endereço com os seus dados biográficos.
Gostei de ver entre os seus trabalhos referências a Machado de Assis, autor também ele brasileiro,que eu admiro muito - grande figura da Língua Portuguesa.
Beijo
Olinda
Minha amiga:
Quem corre por gosto... :)
Não conhecia este escritor, tomei devida nota da tua excelente descrição.
beijinhos
Ainda não li e gostei da análise que fez. Acessei o site do autor e estou lendo mais sobre ele - 'A cidade revisada', sob o seu olhar é tentadora!
Bom fim de semana! Beijus,
Querida Aninha
Não conhecia e tomei nota.
Vou sentir saudades.
Bom trabalho então.
Beijinhos
Isabel
Não conheço o autor, mas fiquei interessado depois de ter lido a tua boa análise.
Volta devagar... mas volta...
Minha querida amiga Ana, tem um bom fim de semana.
Beijos.
Olá Ana,
Obrigada por esta recensão crítica que tanto nos motiva para a leitura dos livros do Carlos Ribeiro. Está execelente.Já tinha lido no blog da Escola.
Um bom fim de semana para ti.
Beijinhos
Não li, não,
mas a avaliar pela assistência
deverá ser de ler.
Bjsss
Deixe de ser modesta professora.... :P
Foi uma tarde muito positiva essa, é uma recordação boa que já parece tão longe...
Beijinhos
Querida Aninha
Um beijinho de boa semana.
Isabel
Três observações:
Apresentação de um autor num quadro de lusofonia que me parece meritório.
Se o interesse recíproco pela literatura dos dois lados do "laguinho" Atlântico fosse tão veemente quanto o nosso interesse pelas telenovelas, os dois mercados floresceriam.
Não conheço o autor.
Não deixo de salientar o interesse da turma.
É bom.
Finalmente, enalteço o teu empenho.
Acabas um ano lectivo de uma forma arrebatada.
Parabéns,Ana
Beijinho
Ana, não conheço o autor. Mas já tomei nota, e, tão breve quanto o tempo mo permita, irei lê-lo.
Fica a gratidão pela dica e os meus parabéns pela recensão crítica da obra, pelo envolvimento da escola, alunos e professora.
Fraterno abraço,
Continuação de bom "mergulho". :)
Mel
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