Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Carlos Ribeiro - já leu?

Em videoconferência com o escritor, a partir do Brasil.

Mergulhada em trabalho...com muito gosto, mas sem tempo. Voltarei devagar...

videoconferência





RIBEIRO, Carlos, «A cidade Revisitada», Contos de sexta-feira e duas ou três crónicas, Bahia, selo Primeira Edição, 2010

            Observamos o livro que atravessou o Atlântico e pensamos em antigos baús incógnitos que, nos idos, terão feito o percurso inverso carregando velhas edições que escaparam à apertada malha inquisitória. Mergulhamos na leitura e deixamo-nos cativar pela Língua. A matéria linguística transmuda-se num discurso eivado de simbologias que a frase curta, ritmada e poética faz emergir de um tempo futuro, «naquela manhã ensolarada de Agosto do ano de 2018»[1], que regride a um passado/presente o qual possibilita retornos, ainda mais remotos, a uma memória umbrosa e original.
            A personagem central, «O homem de óculos e roupas surradas»[2], persona que regressa, ocultando o seu olhar transformante, ao jeito aristotélico, mas deambulando com uma construção de nouveau roman, tal como Alain Robbe-Grillet no-la propôs, reforça-nos a maturidade literária do texto. Viajamos, num táxi rotineiro, acompanhando o olhar oculto do homem. Não saberemos o nome da personagem, mas ela nos guiará pela orografia e toponímia de Salvador e a cidade – agora perfeita, ideal e luminosa – oscila numa vertigem temporal entre a realidade e o imaginário. Uma tecitura complexa de recriação de um espaço – tempo que se instaura no universo do mito. «O homem de óculos» percorre o lugar de uma ausência. O seu mundo, moldado por parcos advérbios que abrem a clivagem subjectiva do sujeito («Sorri timidamente»[3], «surpreendentemente boas»[4]), é percorrido pelo olhar num jogo especular surpreendente. Ocorre-nos uma frase de John Berger – A vista chega antes das palavras [5]. A vista, afirma o mesmo autor e já o sabemos, «estabelece o nosso lugar no mundo que nos rodeia»[6]. A narrativa de Carlos Ribeiro testemunha-o bem.  
A personagem sabe que num presente anterior ao tempo da história o caos e a descaracterização urbanística foram uma «tragédia absurda»[7]. A recordação de uma paisagem impoluta e natural feita de areias, coqueiros e mar – qual éden inicial – sacraliza o espaço. A ele se regressa num tempo de imagens diurnas, por «um túnel de bambus»[8], numa passagem ritual magnífica. A seguir, com uma recorrência ab initio, numa ironia subtil eivada de hipérbole e de pormenores que o olhar capta, enquanto deambula com sentimento de pertença e maravilha, leva-nos ao intertexto in memoriam de Vasconcelos Maia. E, a cidade brilha, cristalizada, instala-se na ficção – lugar ideal em sobreposição temporal e textual. O outro habita a linguagem, numa duplicidade que exige medo e contenção. Salvador recobrou a sua autenticidade toponímica, pois nomear é sacralizar. Como em M. Duras, as personagens desencontram-se na linguagem, estranham-se e repelem-se, «Ele não responde. O motorista liga o rádio»[9]. O homem que regressa é escritor e conhece o frágil equilíbrio dos lugares belos, «Lugares escolhidos para ali se viver, residências invisíveis que construímos para nós à margem do tempo»[10] e o vértice desses lugares culmina no farol, onde o ritual de observação do pôr-do-sol, às sextas-feiras, era momento redentor. O largo da prefeitura metamorfoseou-se, através de um processo de idealização diurna e recuo autístico, num espaço ajardinado. Incrédulo, o homem percebe que a vida regressou ao centro da cidade antiga, «ambas convivendo em perfeita harmonia, no espaço ideal da memória e da afectividade»[11].
A cidade ideal, sonhada pelos construtores fraternos e pacíficos, renasceu e recobrou a magia, numa cosmogonia que, sabemo-lo, não é do domínio da ciência, mas etérea e poética, como a escrita de Carlos Ribeiro.
Foi uma leitura de um fôlego, pura fruição do texto, foi a atracção magnética de uma prosa que nos deu uma visão da Salvador idealizada, mas mais do que isso, o Autor transferiu-nos para uma generosa expressão do homem no mundo. Concluímos, com o receio do narrador «de que tudo aquilo não passe de um sonho»[12]. Logo, o acto de ler/escrever continua a ser o pharmacon[13] para a interpretação do real aparente.


Ana Tapadas e 12.º ano D
ESPS – Junho/2011



[1] RIBEIRO, Carlos, «A cidade Revisitada», Contos de Sexta-feira e duas ou três crónicas, pág.37
[2] O.c., pág. 37
[3] Idem, ibidem
[4] Idem, ibidem
[5] BERGER, John, Modos de Ver, Edições 70, Lisboa, 1972, pág. 11
[6] Idem, ibidem
[7] RIBEIRO, Carlos, o.c., pág. 37
[8] Idem, ibidem
[9] RIBEIRO, Carlos, o.c., pág. 41
[10] YOURCENAR, Marguerite, Memórias de Adriano, Editora Ulisseia , Lisboa, s.d., pág. 269
[11] RIBEIRO, Carlos, o.c., pág. 42
[12] Idem, ibidem
[13] RICOEUR, 1976


12 comentários:

Andradarte disse...

Época de exames....trabalhos dobrados..
Beijo

Olinda Melo disse...

Olá, Ana

Faço minhas as palavras de Andradarte e... Bom trabalho! :)

Sobre Carlos Ribeiro, não o conhecia. Assim, agradeço esta recensão crítica e o endereço com os seus dados biográficos.
Gostei de ver entre os seus trabalhos referências a Machado de Assis, autor também ele brasileiro,que eu admiro muito - grande figura da Língua Portuguesa.

Beijo

Olinda

Fê blue bird disse...

Minha amiga:
Quem corre por gosto... :)
Não conhecia este escritor, tomei devida nota da tua excelente descrição.

beijinhos

Luma Rosa disse...

Ainda não li e gostei da análise que fez. Acessei o site do autor e estou lendo mais sobre ele - 'A cidade revisada', sob o seu olhar é tentadora!
Bom fim de semana! Beijus,

Bípede Implume disse...

Querida Aninha
Não conhecia e tomei nota.
Vou sentir saudades.
Bom trabalho então.
Beijinhos
Isabel

Nilson Barcelli disse...

Não conheço o autor, mas fiquei interessado depois de ter lido a tua boa análise.
Volta devagar... mas volta...
Minha querida amiga Ana, tem um bom fim de semana.
Beijos.

irneh disse...

Olá Ana,

Obrigada por esta recensão crítica que tanto nos motiva para a leitura dos livros do Carlos Ribeiro. Está execelente.Já tinha lido no blog da Escola.
Um bom fim de semana para ti.
Beijinhos

vieira calado disse...

Não li, não,

mas a avaliar pela assistência

deverá ser de ler.

Bjsss

Margarida disse...

Deixe de ser modesta professora.... :P
Foi uma tarde muito positiva essa, é uma recordação boa que já parece tão longe...

Beijinhos

Bípede Implume disse...

Querida Aninha
Um beijinho de boa semana.
Isabel

Anónimo disse...

Três observações:

Apresentação de um autor num quadro de lusofonia que me parece meritório.
Se o interesse recíproco pela literatura dos dois lados do "laguinho" Atlântico fosse tão veemente quanto o nosso interesse pelas telenovelas, os dois mercados floresceriam.

Não conheço o autor.

Não deixo de salientar o interesse da turma.
É bom.

Finalmente, enalteço o teu empenho.
Acabas um ano lectivo de uma forma arrebatada.

Parabéns,Ana

Beijinho

Mel de Carvalho disse...

Ana, não conheço o autor. Mas já tomei nota, e, tão breve quanto o tempo mo permita, irei lê-lo.
Fica a gratidão pela dica e os meus parabéns pela recensão crítica da obra, pelo envolvimento da escola, alunos e professora.

Fraterno abraço,
Continuação de bom "mergulho". :)
Mel