|
Vito de Campanella |
Tenho pensado no futuro como quem contempla este conhecido quadro surrealista - de figuras duvidosamente humanas e sem cabeça. Tenho procurado nos meus compatriotas e nas organizações a verticalidade de princípios, a racionalidade, a aplicação equitativa das leis, a fraternidade, mas só me ocorre a voz de um grande estudioso, pensador e poeta português magnífico e injustiçado.
Ode para o futuro
Falareis de nós como de um sonho.
Crepúsculo dourado. Frases calmas.
Gestos vagarosos. Música suave.
Pensamento arguto. Subtis sorrisos.
Paisagens deslizando na distância.
Éramos livres. Falávamos, sabíamos,
e amávamos serena e docemente.
Uma angústia delida, melancólica,
sobre ela sonhareis.
E as tempestades, as desordens, gritos,
violência, escárnio, confusão odienta,
primaveras morrendo ignoradas
nas encostas vizinhas, as prisões,
as mortes, o amor vendido,
as lágrimas e as lutas,
o desespero da vida que nos roubam
- apenas uma angústia melancólica,
sobre a qual sonhareis a idade de oiro.
E, em segredo, saudosos, enlevados,
falareis de nós - de nós! - como de um sonho.
Jorge de Sena
Aqui fica a ODE PARA O FUTURO, dedicada a todos os «piegas» como eu.