Jacek Yerka |
Caminho cega pela luz matinal que inebria e consola. Os meus olhos, claros e cansados, transportam ainda os pesadelos da noite.
No parque, de um verde inebriante, homens e mulheres já vagueiam na desconformidade destes dias. Inactivos, jovens espalham-se por bancos dispersos, sob os sobreiros que ainda aqui restam. Perto, o formigueiro humano já não fervilha de labor. A fábrica fechou há muito, mas no jardim as rosas, insistentes, ostentam suas cores. Cabisbaixos, os homens procuram os sonhos...
A límpida transparência do dia ainda me mostra a lua vigilante. Visão ímpar que reforça e cativa.
Aperto contra o peito dezenas de corações trémulos e receosos pelo futuro incerto. Dezenas de testes que tingiram de um cansaço raiado e sanguinolento o meu olhar aturdido. Aperto-os com a certeza de que a fadiga é isto. A exaustão não a quero. Conheço o suão, senti a geada - as grades não me vencem assim.
Sorrio, ainda, à gente que passa. Nem sei se semeio alguma esperança, em dias por vir, no meu Sul tão antigo. Um alento qualquer, súbito, inunda os rostos amigos.
Se amo o que faço, não venham agora acusar-me, então, da longínqua harmonia da cor da paisagem e do pardo olhar felino, que pouso em quem passa, fraterno e amigo. Sou fera que sabe a magia das garras.
No meu lugar ancestral a luz é tecida a prumo e compasso e o sol, nestes dias, é doce e abraça.
Ana
Ana
12 comentários:
Ana, que prosa iluminada..
beijos.
Se amas o que fazes é aí que procurarás a força para suportar o fardo que te impõem, amiga.
Abraço enorme e solidário
Noites claras
Belo
Bjs
Querida Ana
Uma prosa poética que foca a enormidade dos dias que correm, de forçada inactividade, de um ócio imposto.
E 'dezenas de corações'olham o devir com incertezas e desânimo. Mas continua com o teu espírito de missão, porque amas o que fazes e isso trará aos teus jovens pupilos a certeza de que há quem se interesse, verdadeiramente, por eles.
Como sempre, encanta-me a tua escrita.
Bjs
Olinda
Bonita incursão interior em jeito de prosa. A continuar :)
Um beijinho
Que texto lindo Ana, tão profundo e tão suave, lindo amar, bjs no coração.
ardente - como o Sul...
ou
"a fera que sabe a magia das garras"...
gostei. deveras.
Ana
Te ultrapassaste a ti própria
e eu adorei!
Maria luísa
Querida Aninha
Já o disse mais vezes e continuo a achar que o que escreves é pura magia. O que teces com as palavras é uma seda maravilhosa.
Este longo Inverno deixou o meu pobre jardim, uma lástima.
Assim, tal como tu, longos trabalhos nos esperam.
Beijinhos
Isabel
Boa noite Ana,
Os fantasmas do passado continuam vivos, não obstante isso, o espírito de missâo perdura. Este deserto de esperança gera grande angústia colectiva.
Um abraço
Quando se ama o que se faz, a felicidade fica mais ao nosso alcance .
Magnífico texto, como sempre.
Um beijo, minha querida amiga Ana.
Quando gostamos encontramos sempre algo que nos faz continuar!!! :) beijinho grande Saudade *
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