Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Se amo o que faço...



Jacek Yerka

Caminho cega pela luz matinal que inebria e consola. Os meus olhos, claros e cansados, transportam ainda os pesadelos da noite. 
No parque, de um verde inebriante, homens e mulheres já vagueiam na desconformidade destes dias. Inactivos, jovens espalham-se por bancos dispersos, sob os sobreiros que ainda aqui restam. Perto, o formigueiro humano já não fervilha de labor. A fábrica fechou há muito, mas no jardim as rosas, insistentes, ostentam suas cores. Cabisbaixos, os homens procuram os sonhos...
A límpida transparência do dia ainda me mostra a lua vigilante. Visão ímpar que reforça e cativa.
Aperto contra o peito dezenas de corações trémulos e receosos pelo futuro incerto. Dezenas de testes que tingiram de um cansaço raiado e sanguinolento o meu olhar aturdido. Aperto-os com a certeza de que  a fadiga é isto. A exaustão não a quero. Conheço o suão, senti a geada - as grades não me vencem assim.
Sorrio, ainda, à gente que passa. Nem sei se semeio alguma esperança, em dias por vir, no meu Sul tão antigo. Um alento qualquer, súbito, inunda os rostos amigos. 
Se amo o que faço, não venham agora acusar-me, então, da longínqua harmonia da cor da paisagem e do pardo olhar felino, que pouso em quem passa, fraterno e amigo. Sou fera que sabe a magia das garras.
No meu lugar ancestral a luz é tecida a prumo e compasso e o sol, nestes dias, é doce e abraça. 


                                     Ana


12 comentários:

Ana Lucia Franco disse...

Ana, que prosa iluminada..

beijos.

São disse...

Se amas o que fazes é aí que procurarás a força para suportar o fardo que te impõem, amiga.

Abraço enorme e solidário

Mar Arável disse...


Noites claras

Belo
Bjs

Olinda Melo disse...


Querida Ana

Uma prosa poética que foca a enormidade dos dias que correm, de forçada inactividade, de um ócio imposto.
E 'dezenas de corações'olham o devir com incertezas e desânimo. Mas continua com o teu espírito de missão, porque amas o que fazes e isso trará aos teus jovens pupilos a certeza de que há quem se interesse, verdadeiramente, por eles.

Como sempre, encanta-me a tua escrita.

Bjs

Olinda

Daniel C.da Silva disse...

Bonita incursão interior em jeito de prosa. A continuar :)

Um beijinho

Teresa Brum disse...


Que texto lindo Ana, tão profundo e tão suave, lindo amar, bjs no coração.

Manuel Veiga disse...

ardente - como o Sul...

ou

"a fera que sabe a magia das garras"...

gostei. deveras.

Maria Luisa Adães disse...

Ana

Te ultrapassaste a ti própria
e eu adorei!

Maria luísa

Bípede Implume disse...

Querida Aninha
Já o disse mais vezes e continuo a achar que o que escreves é pura magia. O que teces com as palavras é uma seda maravilhosa.
Este longo Inverno deixou o meu pobre jardim, uma lástima.
Assim, tal como tu, longos trabalhos nos esperam.
Beijinhos
Isabel

Jorge disse...

Boa noite Ana,
Os fantasmas do passado continuam vivos, não obstante isso, o espírito de missâo perdura. Este deserto de esperança gera grande angústia colectiva.
Um abraço

Nilson Barcelli disse...

Quando se ama o que se faz, a felicidade fica mais ao nosso alcance .
Magnífico texto, como sempre.
Um beijo, minha querida amiga Ana.

sofia disse...

Quando gostamos encontramos sempre algo que nos faz continuar!!! :) beijinho grande Saudade *