Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 19 de junho de 2019

A propósito de uma poetisa



Logotetas ou fundadores de línguas, assim lhes chamaria Roland Barthes, são-no, em estado puro, os poetas. Essas novas línguas, tão diversas das outras linguagens, instauram-se no âmago dos seres e não se oferecem ao estudo linguístico e, muito menos, são passíveis de regulamentação gramatical. A sua única abordagem é do domínio da Semiótica e da simbologia textual.
Vem isto a propósito de duas obras que, gentilmente, a nossa amiga e poetisa Graça Pires me enviou numa oferenda que, publicamente, quero agradecer-lhe. A Graça é, então, uma logoteta. Nela, a sintaxe é substituída pela criação. Nela, a língua ilimita-se e, mesmo o lugar das perdas ou das ausências escalonam significantes e desenham insistências. A poetisa transmuda-se em cenógrafa e as representações do quotidiano dão-nos a logotesis. O «mar» ou os «pássaros», «barcos» ou elementos surgidos de uma ruralidade remota tornam-se fragmentos de inteligível, senhas de acesso a um mundo interior e íntimo. Espaços, agora vazios, são sinuosidades de uma vida passada e, tantas vezes, onírica.
Hoje, conheço a Graça - ouso dizê-lo! A Semiótica é o meu olhar sobre o mundo, o meu trunfo de resistência e de Amor. Hoje, amo a Graça, pois sei da utopia que a habita nessa incessante urdidura da linguagem que procura a humana harmonia.
Aqui vos deixo um dos muito belos poemas da autora:


Fecho-me no quarto.
Há demasiada luz
espalhada nas paredes
como se viesse o anjo
que anuncia a extinção
das sombras.
De meus lábios,
interditos a preces,
sai uma canção antiga,
um chamamento
à flor da boca.
Um fulgor suspenso
de meus olhos
tece, sem limites,
o tempo da infância.
Como se perseguisse
um sonho intacto.

PIRES, Graça, Poemas Escolhidos 1990-2011, ed. autor, Lisboa, 2012, pág. 151






Obrigada!



11 comentários:

Victor Barão disse...

Como já confessamente referi à própria e para mim muito estimada Graça Pires que, inclusive à imagem da Ana Tapadas, se dá à humildade de sob a forma de comentários seguir o meu, a espaços, pouco menos que sofrível espaço virtual (blogue) próprio: _ "por minha auto reconhecida deformação cultural e/ou natural própria, me confesso um analfapoético".
O que, no entanto, salva a presunção de, da minha parte, haver também um imenso esforço para aqui chegar e estar, tão pouco me impede de, ao menos, a espaços me sentir profundamente tocado pela poesia em geral e pela poesia da admirável Graça Pires em particular.
Daí que seja para mim um reforçado prazer ler aqui as eruditas palavras da Ana, aludindo à Graça, tanto mais se por vossa amizade pessoal própria _ tudo aquém e além do meu auto reconhecido analfabetismo e/ou pelo menos da minha auto reconhecida iliteracia poética e erudita, cuja grande ressalva seja mesmo o meu auto reconhecimento inerente, sem no entanto me conformar positiva ou absolutamente com o mesmo, sem mais.
Parabéns e obrigado à Ana Tapadas, na circunstancia, com extensão à Graça Pires
Beijos, com votos de bom feriado
VB

Graça Pires disse...

Ana fiquei muito sensibilizada com o que escreveste. Obrigada pelo carinho. Como poderia não gostar. Vou guardar o texto. Bem-hajas!
Um beijo enorme.

Menina Marota disse...

Uma leitura assídua, os livros de Graça Pires. Adoro a sua escrita.

Um abraço e grata por a partilhar.

Olinda Melo disse...

Querida Ana


Feliz pela tua homenagem à nossa querida Graça Pires.
Sou uma grande admiradora da sua poesia, da sua arte
de escrever. Cada Poema seu abre-nos um mundo de reflexão
e de perplexidade.

Obrigada.

Beijinhos

Olinda

alfacinha disse...

Graça Pires tem uma amiga boa
bjos

Jaime Portela disse...

Faço minhas as tuas palavras acerca da obra da Graça Pires. E faço-as minhas porque, sentindo-as minhas e, por isso, identificando-me com elas, não as saberia dizer com tal distinção.
Ana, continuação de boa semana.
Beijo.

CÉU disse...

Um texto teu, admirável, para uma excelente poetisa.
Beijos e boa semana.

Maria João Brito de Sousa disse...

Já várias vezes li em silêncio esta sua publicação, bem como o belíssimo poema da Graça Pires, Ana.

Reparo que há muito não publica, ainda que muitos dos comentários sejam recentes.

Deixo-lhe um abraço, esperando que se encontre de boa saúde.

Existe Sempre Um Lugar disse...

Bom dia, confesso que não sou grande fã de poesia, algumas vezes nem as consigo compreender, sinceramente, gosto de ler a poesia da Graça Pires, a mensagem em cada uma das suas poesias, são de fácil interpretação, sem conhecer a Graça pessoalmente, gosto dela pela pessoa que é.
O Texto partilhado é excelente, homenageia a poetisa com todo o merecimento.
Feliz fim de semana
AG

Manuel Veiga disse...

associo-me a esta celebração da Poesia - tão bem urdida!

excelente teu texto, quão bela a Poesia da Graça Pires

abraço (ambas)

Mar Arável disse...

Beijo sempre à nossa Graça
a si também
mar adentro pelas searas