Logotetas ou fundadores de línguas, assim lhes chamaria Roland Barthes, são-no, em estado puro, os poetas. Essas novas línguas, tão diversas das outras linguagens, instauram-se no âmago dos seres e não se oferecem ao estudo linguístico e, muito menos, são passíveis de regulamentação gramatical. A sua única abordagem é do domínio da Semiótica e da simbologia textual.
Vem isto a propósito de duas obras que, gentilmente, a nossa amiga e poetisa Graça Pires me enviou numa oferenda que, publicamente, quero agradecer-lhe. A Graça é, então, uma logoteta. Nela, a sintaxe é substituída pela criação. Nela, a língua ilimita-se e, mesmo o lugar das perdas ou das ausências escalonam significantes e desenham insistências. A poetisa transmuda-se em cenógrafa e as representações do quotidiano dão-nos a logotesis. O «mar» ou os «pássaros», «barcos» ou elementos surgidos de uma ruralidade remota tornam-se fragmentos de inteligível, senhas de acesso a um mundo interior e íntimo. Espaços, agora vazios, são sinuosidades de uma vida passada e, tantas vezes, onírica.
Hoje, conheço a Graça - ouso dizê-lo! A Semiótica é o meu olhar sobre o mundo, o meu trunfo de resistência e de Amor. Hoje, amo a Graça, pois sei da utopia que a habita nessa incessante urdidura da linguagem que procura a humana harmonia.
Aqui vos deixo um dos muito belos poemas da autora:
Fecho-me no quarto.
Há demasiada luz
espalhada nas paredes
como se viesse o anjo
que anuncia a extinção
das sombras.
De meus lábios,
interditos a preces,
sai uma canção antiga,
um chamamento
à flor da boca.
Um fulgor suspenso
de meus olhos
tece, sem limites,
o tempo da infância.
Como se perseguisse
um sonho intacto.
PIRES, Graça, Poemas Escolhidos 1990-2011, ed. autor, Lisboa, 2012, pág. 151
Obrigada!
11 comentários:
Como já confessamente referi à própria e para mim muito estimada Graça Pires que, inclusive à imagem da Ana Tapadas, se dá à humildade de sob a forma de comentários seguir o meu, a espaços, pouco menos que sofrível espaço virtual (blogue) próprio: _ "por minha auto reconhecida deformação cultural e/ou natural própria, me confesso um analfapoético".
O que, no entanto, salva a presunção de, da minha parte, haver também um imenso esforço para aqui chegar e estar, tão pouco me impede de, ao menos, a espaços me sentir profundamente tocado pela poesia em geral e pela poesia da admirável Graça Pires em particular.
Daí que seja para mim um reforçado prazer ler aqui as eruditas palavras da Ana, aludindo à Graça, tanto mais se por vossa amizade pessoal própria _ tudo aquém e além do meu auto reconhecido analfabetismo e/ou pelo menos da minha auto reconhecida iliteracia poética e erudita, cuja grande ressalva seja mesmo o meu auto reconhecimento inerente, sem no entanto me conformar positiva ou absolutamente com o mesmo, sem mais.
Parabéns e obrigado à Ana Tapadas, na circunstancia, com extensão à Graça Pires
Beijos, com votos de bom feriado
VB
Ana fiquei muito sensibilizada com o que escreveste. Obrigada pelo carinho. Como poderia não gostar. Vou guardar o texto. Bem-hajas!
Um beijo enorme.
Uma leitura assídua, os livros de Graça Pires. Adoro a sua escrita.
Um abraço e grata por a partilhar.
Querida Ana
Feliz pela tua homenagem à nossa querida Graça Pires.
Sou uma grande admiradora da sua poesia, da sua arte
de escrever. Cada Poema seu abre-nos um mundo de reflexão
e de perplexidade.
Obrigada.
Beijinhos
Olinda
Graça Pires tem uma amiga boa
bjos
Faço minhas as tuas palavras acerca da obra da Graça Pires. E faço-as minhas porque, sentindo-as minhas e, por isso, identificando-me com elas, não as saberia dizer com tal distinção.
Ana, continuação de boa semana.
Beijo.
Um texto teu, admirável, para uma excelente poetisa.
Beijos e boa semana.
Já várias vezes li em silêncio esta sua publicação, bem como o belíssimo poema da Graça Pires, Ana.
Reparo que há muito não publica, ainda que muitos dos comentários sejam recentes.
Deixo-lhe um abraço, esperando que se encontre de boa saúde.
Bom dia, confesso que não sou grande fã de poesia, algumas vezes nem as consigo compreender, sinceramente, gosto de ler a poesia da Graça Pires, a mensagem em cada uma das suas poesias, são de fácil interpretação, sem conhecer a Graça pessoalmente, gosto dela pela pessoa que é.
O Texto partilhado é excelente, homenageia a poetisa com todo o merecimento.
Feliz fim de semana
AG
associo-me a esta celebração da Poesia - tão bem urdida!
excelente teu texto, quão bela a Poesia da Graça Pires
abraço (ambas)
Beijo sempre à nossa Graça
a si também
mar adentro pelas searas
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