Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sábado, 28 de setembro de 2019

Ladino...a Língua da memória histórica



"Estive a dar uma palestra numa universidade a norte de Telavive. Quando já estava a sair do palco, uma das senhoras, já idosa e muito doente, disse-me, num ladino muito alterado: 'Eu sou de Castelo de Vide, mas eu nunca lá fui.' Eu disse-lhe que não tinha compreendido, e ela respondeu-me: 'A minha família fugiu de Castelo de Vide, na primeira metade do século XVI, para o Império Otomano; Constantinopla, depois Istambul, mas sempre me disseram que a minha terra era Castelo de Vide. Eu vi que vinha cá um homem da minha terra-mãe, e quis vir ouvi-lo.'" A castelo-vidense, deslocada em geografia mas nunca em identidade, percorreu mais de 170 quilómetros, porque não tinha descendentes, estava com cancro e só queria voltar a casa.» M.R. à TSF


És antissemita? Então lê:

«Sefarditas
Quem são
Designam-se de judeus sefarditas, os judeus descendentes das antigas e tradicionais comunidades judaicas da Península Ibérica.
A presença dessas comunidades na Península Ibérica é muito antiga, sendo mesmo anterior à formação dos reinos ibéricos cristãos, como sucedeu com Portugal a partir do século XII.

A expulsão
Tendo essas comunidades judaicas, a partir de finais do século XV e após o Édito de Alhambra de 1492, sido objeto de perseguição por parte da Inquisição espanhola, muitos dos seus membros refugiaram-se então em Portugal.
Porém, o rei D. Manuel, que inicialmente havia promulgado uma lei que lhes garantia proteção, determinou, a partir de 1496, a expulsão de todos os judeus sefarditas (também conhecidos por marranos) que não se sujeitassem ao batismo católico. Assim, numerosos judeus sefarditas foram expulsos de Portugal nos finais do século XV e inícios do século XVI.

A diáspora
De modo geral, estes judeus sefarditas estabeleceram-se, entre outros, em países como a Holanda, o Reino Unido e a Turquia, bem como em regiões do Norte de África e, mais tarde, em territórios americanos, nomeadamente no Brasil, Argentina, México e Estados Unidos da América (EUA).
Apesar das perseguições e do afastamento do seu território ancestral, muitos judeus sefarditas de origem portuguesa e seus descendentes mantiveram não só a língua portuguesa, mas também os ritos tradicionais do antigo culto judaico em Portugal, conservando, ao longo de gerações, os seus apelidos de família, objetos e documentos comprovativos da sua origem portuguesa, a par de uma forte relação memorial que os leva a denominarem-se a si mesmos como «judeus portugueses» ou «judeus da Nação portuguesa».
Com a «conversão em pé», denominação pela qual ficou conhecida a conversão forçada dos judeus, decretada por D. Manuel, deixaram, então, de existir oficialmente judeus em Portugal, e apenas cristãos-velhos e cristãos-novos, sendo que esta nova denominação de cristãos-novos escondia a origem judaica.
Durante o período da Inquisição muitos desses cristãos-novos e judeus portugueses conseguiram escapar e sair do Reino, estabelecendo-se em algumas regiões do Mediterrâneo (Gibraltar, Marrocos, Sul de França, Itália, Croácia, Grécia, Turquia, Síria, Líbano, Israel, Jordânia, Egito, Líbia, Tunísia e Argélia), norte da Europa (Londres, Nantes, Paris, Antuérpia, Bruxelas, Roterdão e Amesterdão), Brasil, Antilhas e EUA, entre outras, aí criando comunidades de grande renome e fundado sinagogas notáveis, tais como a Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, a Sinagoga Shearith Israel de Nova York, a Sinagoga Bevis Marks de Londres, a Sinagoga de Touro em Newport (Rhode Island — EUA), a Sinagoga Portuguesa de Montreal e a Sinagoga Tzur Israel em Recife.
No início do século XIX regressaram a Portugal alguns descendentes de judeus sefarditas que se tinham refugiado em Marrocos e Gibraltar, tendo, em 1801, sido criado o primeiro cemitério judeu moderno, junto ao cemitério inglês em Lisboa, e, em 1868, por alvará de D. Luís, sido concedido aos «judeus de Lisboa a permissão de instalar um cemitério para a inumação dos seus correligionários», o atual cemitério da Rua D. Afonso III, em Lisboa.

Ainda hoje, em muitos dos apelidos de famílias judaicas sefarditas, conserva-se a matriz portuguesa, embora, nalguns casos, esteja misturada com a castelhana.
Na diáspora da Holanda e Reino Unido subsistem, entre outros, apelidos de família como: Abrantes, Aguilar, Andrade, Brandão, Brito, Bueno, Cardoso, Carvalho, Castro, Costa, Coutinho, Dourado, Fonseca, Furtado, Gomes, Gouveia, Granjo, Henriques, Lara, Marques, Melo e Prado, Mesquita, Mendes, Neto, Nunes, Pereira, Pinheiro, Rodrigues, Rosa, Sarmento, Silva, Soares, Teixeira e Teles.
Já na diáspora da América Latina mantêm-se, por exemplo, também entre outros, os apelidos: Almeida, Avelar, Bravo, Carvajal, Crespo, Duarte, Ferreira, Franco, Gato, Gonçalves, Guerreiro, Leão, Lopes, Leiria, Lobo, Lousada, Machorro, Martins, Montesino, Moreno, Mota, Macias, Miranda, Oliveira, Osório, Pardo, Pina, Pinto, Pimentel, Pizarro, Querido, Rei, Ribeiro, Salvador, Torres e Viana.
Para além disso, noutras regiões do Mundo, existem igualmente descendentes de judeus sefarditas de origem portuguesa que conservam, para além dos acima indicados, entre outros, os seguintes apelidos: Amorim, Azevedo, Álvares, Barros, Basto, Belmonte, Cáceres, Caetano, Campos, Carneiro, Cruz, Dias, Duarte, Elias, Estrela, Gaiola, Josué, Lemos, Lombroso, Lopes, Machado, Mascarenhas, Mattos, Meira, Mello e Canto, Mendes da Costa, Miranda, Morão, Morões, Mota, Moucada, Negro, Oliveira, Osório (ou Ozório), Paiva, Pilão, Pinto, Pessoa, Preto, Souza, Vaz e Vargas.

Para além dos apelidos familiares e do uso da língua portuguesa, designadamente nos ritos, há descendentes de judeus sefarditas portugueses que, ainda hoje, falam entre si o ladino, língua usada pelos sefarditas expulsos de Espanha e de Portugal no século XV, derivada do castelhano e do português e atualmente falada por cerca de 150 000 pessoas em comunidades existentes em Israel, Turquia, antiga Jugoslávia, Grécia, Marrocos e nas Américas, entre muitos outros locais
* Fonte: Preâmbulo do Decreto-Lei 30-A/2015, de 27/2.

(lamento o acordo dito ortográfico).



E, sabes por que dizemos, no Alto Alentejo, 
«Desta água não beberei»?




Aqui deixo um dicionário de Ladino : https://pt.glosbe.com

8 comentários:

Majo Dutra disse...

Gostei muito de ler e saber.
A História da Diáspora é imensa!
Excelente final de semana.
Tudo bom, querida Amiga.
Beijinhos
~~~~~
Ps ~ desculpe o desacordo ortográfico.
Srrssssss...
















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Rogério G.V. Pereira disse...

Aquilo que um septuagenário
não sabia, e ficou aqui a saber

gostava de poder dizer "gostei"
em ladino

Graça Pires disse...

Obrigada pela excelente lição de história. Não sabia da palavra ladino. E não sei por que se diz, no Alto Alentejo, (e em todo o país) "Desta água não beberei".
Virei cá espreitar a resposta.
Uma boa semana, Ana.
Um beijo

João Santana Pinto disse...

Uma lição de história extraordinária. Tinha noção apenas de alguns dos países destino, como Turquia, por exemplo, mas não imaginada toda uma lista...

Tal, como o Rogério, falta-me aprender pelo menos "obrigado" em ladino.

Penso que, com o avançar dos anos, ficamos curiosos em querer saber mais sobre as nossas próprias origens e o teu texto, é, como já referi, uma agradável lição.

Beijinhos e um óptimo início de semana

Dalva Nascimento disse...

Como é aprender. Sempre ouvi que minha ascendência, por parte de pai, era composta por judeus portugueses e nem imaginava por tudo que passaram. Vieram para o Brasil no início do século XIX, dos Açores, fixando-se no Ceará e eram pescadores. Nosso sobrenome é Oliveira.

Manuel Veiga disse...

... e as alheiras? não gostas?

sei porque "desta água não beberei", mas não digo.
não quero parecer ser o "sabichão" da turma rss

gostei muito
beijo

Jaime Portela disse...

A História dos Judeus é muito interessante.
E a dos que foram expulsos de Portugal não foge à regra.
Ana, tem um bom fim de semana.
Beijo.

Olinda Melo disse...


Querida Ana

Adorei o teu gesto de fazer recordar aquilo por que
passaram os Judeus da Península Ibérica, por onde
andam e ainda os muitos apelidos que compartilhamos.
No meio desses todos encontrei um dos meus.

É dever nosso acolhê-los e dar-lhes o amor que buscam
ao regressarem à terra dos seus avós.

Excelente publicação.

Beijinhos

Olinda