"Estive a dar uma palestra numa universidade a norte de Telavive. Quando já estava a sair do palco, uma das senhoras, já idosa e muito doente, disse-me, num ladino muito alterado: 'Eu sou de Castelo de Vide, mas eu nunca lá fui.' Eu disse-lhe que não tinha compreendido, e ela respondeu-me: 'A minha família fugiu de Castelo de Vide, na primeira metade do século XVI, para o Império Otomano; Constantinopla, depois Istambul, mas sempre me disseram que a minha terra era Castelo de Vide. Eu vi que vinha cá um homem da minha terra-mãe, e quis vir ouvi-lo.'" A castelo-vidense, deslocada em geografia mas nunca em identidade, percorreu mais de 170 quilómetros, porque não tinha descendentes, estava com cancro e só queria voltar a casa.» M.R. à TSF
És antissemita? Então lê:
«Sefarditas
Quem são
Designam-se de judeus sefarditas,
os judeus descendentes das antigas e tradicionais comunidades judaicas da
Península Ibérica.
A presença dessas comunidades na
Península Ibérica é muito antiga, sendo mesmo anterior à formação dos reinos
ibéricos cristãos, como sucedeu com Portugal a partir do século XII.
A expulsão
Tendo essas comunidades judaicas,
a partir de finais do século XV e após o Édito de Alhambra de 1492, sido objeto
de perseguição por parte da Inquisição espanhola, muitos dos seus membros refugiaram-se então em Portugal.
Porém, o rei D. Manuel, que
inicialmente havia promulgado uma lei que lhes garantia proteção, determinou, a
partir de 1496, a expulsão de todos os judeus sefarditas (também conhecidos por
marranos) que não se sujeitassem ao batismo católico. Assim, numerosos judeus
sefarditas foram expulsos de Portugal nos finais do século XV e inícios do
século XVI.
A diáspora
De modo geral, estes judeus
sefarditas estabeleceram-se, entre outros, em países como a Holanda, o Reino
Unido e a Turquia, bem como em regiões do Norte de África e, mais tarde, em
territórios americanos, nomeadamente no Brasil, Argentina, México e Estados
Unidos da América (EUA).
Apesar das perseguições e do
afastamento do seu território ancestral, muitos judeus sefarditas de origem
portuguesa e seus descendentes mantiveram não só a língua portuguesa, mas
também os ritos tradicionais do antigo culto judaico em Portugal, conservando,
ao longo de gerações, os seus apelidos de família, objetos e documentos
comprovativos da sua origem portuguesa, a par de uma forte relação memorial que
os leva a denominarem-se a si mesmos como «judeus portugueses» ou «judeus da
Nação portuguesa».
Com a «conversão em pé»,
denominação pela qual ficou conhecida a conversão forçada dos judeus, decretada
por D. Manuel, deixaram, então, de existir oficialmente judeus em Portugal, e
apenas cristãos-velhos e cristãos-novos, sendo que esta nova denominação de
cristãos-novos escondia a origem judaica.
Durante o período da Inquisição
muitos desses cristãos-novos e judeus portugueses conseguiram escapar e sair do
Reino, estabelecendo-se em algumas regiões do Mediterrâneo (Gibraltar,
Marrocos, Sul de França, Itália, Croácia, Grécia, Turquia, Síria, Líbano,
Israel, Jordânia, Egito, Líbia, Tunísia e Argélia), norte da Europa (Londres,
Nantes, Paris, Antuérpia, Bruxelas, Roterdão e Amesterdão), Brasil, Antilhas e
EUA, entre outras, aí criando comunidades de grande renome e fundado sinagogas
notáveis, tais como a Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, a Sinagoga Shearith
Israel de Nova York, a Sinagoga Bevis Marks de Londres, a Sinagoga de Touro em
Newport (Rhode Island — EUA), a Sinagoga Portuguesa de Montreal e a Sinagoga
Tzur Israel em Recife.
No início do século XIX
regressaram a Portugal alguns descendentes de judeus sefarditas que se tinham
refugiado em Marrocos e Gibraltar, tendo, em 1801, sido criado o primeiro
cemitério judeu moderno, junto ao cemitério inglês em Lisboa, e, em 1868, por
alvará de D. Luís, sido concedido aos «judeus de Lisboa a permissão de instalar
um cemitério para a inumação dos seus correligionários», o atual cemitério da
Rua D. Afonso III, em Lisboa.
Ainda hoje, em muitos dos
apelidos de famílias judaicas sefarditas, conserva-se a matriz portuguesa,
embora, nalguns casos, esteja misturada com a castelhana.
Na diáspora da Holanda e Reino
Unido subsistem, entre outros, apelidos de família como: Abrantes, Aguilar,
Andrade, Brandão, Brito, Bueno, Cardoso, Carvalho, Castro, Costa, Coutinho,
Dourado, Fonseca, Furtado, Gomes, Gouveia, Granjo, Henriques, Lara, Marques,
Melo e Prado, Mesquita, Mendes, Neto, Nunes, Pereira, Pinheiro, Rodrigues,
Rosa, Sarmento, Silva, Soares, Teixeira e Teles.
Já na diáspora da América Latina
mantêm-se, por exemplo, também entre outros, os apelidos: Almeida, Avelar,
Bravo, Carvajal, Crespo, Duarte, Ferreira, Franco, Gato, Gonçalves, Guerreiro,
Leão, Lopes, Leiria, Lobo, Lousada, Machorro, Martins, Montesino, Moreno, Mota,
Macias, Miranda, Oliveira, Osório, Pardo, Pina, Pinto, Pimentel, Pizarro,
Querido, Rei, Ribeiro, Salvador, Torres e Viana.
Para além disso, noutras regiões
do Mundo, existem igualmente descendentes de judeus sefarditas de origem
portuguesa que conservam, para além dos acima indicados, entre outros, os
seguintes apelidos: Amorim, Azevedo, Álvares, Barros, Basto, Belmonte, Cáceres,
Caetano, Campos, Carneiro, Cruz, Dias, Duarte, Elias, Estrela, Gaiola, Josué,
Lemos, Lombroso, Lopes, Machado, Mascarenhas, Mattos, Meira, Mello e Canto,
Mendes da Costa, Miranda, Morão, Morões, Mota, Moucada, Negro, Oliveira, Osório
(ou Ozório), Paiva, Pilão, Pinto, Pessoa, Preto, Souza, Vaz e Vargas.
Para além dos apelidos familiares
e do uso da língua portuguesa, designadamente nos ritos, há descendentes de
judeus sefarditas portugueses que, ainda hoje, falam entre si o ladino, língua
usada pelos sefarditas expulsos de Espanha e de Portugal no século XV, derivada
do castelhano e do português e atualmente falada por cerca de 150 000 pessoas
em comunidades existentes em Israel, Turquia, antiga Jugoslávia, Grécia,
Marrocos e nas Américas, entre muitos outros locais.»
* Fonte: Preâmbulo do Decreto-Lei
30-A/2015, de 27/2.
(lamento o acordo dito ortográfico).
E, sabes por que dizemos, no Alto Alentejo,
«Desta água não beberei»?
Aqui deixo um dicionário de Ladino : https://pt.glosbe.com
8 comentários:
Gostei muito de ler e saber.
A História da Diáspora é imensa!
Excelente final de semana.
Tudo bom, querida Amiga.
Beijinhos
~~~~~
Ps ~ desculpe o desacordo ortográfico.
Srrssssss...
/
Aquilo que um septuagenário
não sabia, e ficou aqui a saber
gostava de poder dizer "gostei"
em ladino
Obrigada pela excelente lição de história. Não sabia da palavra ladino. E não sei por que se diz, no Alto Alentejo, (e em todo o país) "Desta água não beberei".
Virei cá espreitar a resposta.
Uma boa semana, Ana.
Um beijo
Uma lição de história extraordinária. Tinha noção apenas de alguns dos países destino, como Turquia, por exemplo, mas não imaginada toda uma lista...
Tal, como o Rogério, falta-me aprender pelo menos "obrigado" em ladino.
Penso que, com o avançar dos anos, ficamos curiosos em querer saber mais sobre as nossas próprias origens e o teu texto, é, como já referi, uma agradável lição.
Beijinhos e um óptimo início de semana
Como é aprender. Sempre ouvi que minha ascendência, por parte de pai, era composta por judeus portugueses e nem imaginava por tudo que passaram. Vieram para o Brasil no início do século XIX, dos Açores, fixando-se no Ceará e eram pescadores. Nosso sobrenome é Oliveira.
... e as alheiras? não gostas?
sei porque "desta água não beberei", mas não digo.
não quero parecer ser o "sabichão" da turma rss
gostei muito
beijo
A História dos Judeus é muito interessante.
E a dos que foram expulsos de Portugal não foge à regra.
Ana, tem um bom fim de semana.
Beijo.
Querida Ana
Adorei o teu gesto de fazer recordar aquilo por que
passaram os Judeus da Península Ibérica, por onde
andam e ainda os muitos apelidos que compartilhamos.
No meio desses todos encontrei um dos meus.
É dever nosso acolhê-los e dar-lhes o amor que buscam
ao regressarem à terra dos seus avós.
Excelente publicação.
Beijinhos
Olinda
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