Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Ainda Somos um Segredo

https://www.fogecomigo.pt/product/guia-alto-alentejo-ainda-somos-um-segredo

O título sugestivo acompanhou-nos neste Verão. Julho trouxe-me a vista esquerda, Agosto refez-me a vista direita e a pandemia aprisionou-me no meu Alentejo. Assim, desvendámos alguns recantos secretos e pouco visitados do megalitismo alentejano e perdemo-nos pela charneca tisnada pelo Sol escaldante. 
Há muito que tinha este guia turístico, mas estava convencida de conhecer bem o meu território, como aqueles alunos que não lendo as obras se orientam com resumos...e havia uma outra razão mais íntima. Sempre que o abria não encontrava uma referência fundamentada ao passado judaico desta terra sefardita. Mas o resto lá está! Mesmo as remotas pinturas rupestres a céu aberto. Sim, existem pinturas rupestres, por aqui! Uma visita na Primavera pode ser um deslumbramento de cores e tonalidades. Fica o convite.

Lapa dos Gaivões

Ainda Somos um Segredo fez-me recordar aquele dia, já distante, em que perante o anfiteatro um de uma destacada universidade, repleto de académicos, a arguente me disse do alto da sua distinção: «Tudo muito bem, mas não existiram criptojudeus.» E, eu, que tudo vi acontecer na casa da minha avó materna e vivi a realidade ali negada, calei-me. Percebi, naquele instante, que o antissemitismo existe e é transversal. Percebi que existem máculas de bastardia social em todas os estratos. Que sabem os doutores da vida? Que sabe a vida dos feudos dos doutores? Que aprendi, eu? Fácil: tudo muito bem, assim se falha o cum laude. Não me interessam as supremas honras dos discriminadores.

Anna Hatherly olhou-me com aqueles seus olhos de água e eu sorri. Cá fora disse-me: «Eu avisei-a, se tivesse vindo o Aguiar e Silva isto não aconteceria. Teve grande coragem em não retirar o termo e ignorar o reparo». 
- Professora, eu não mentiria.

Retirei do pescoço o pequeno triângulo de ouro e entreguei-lho. Disse-me a Dalila - ao estudar a poetisa -  que, o tal pendente, ainda faz parte do seu espólio.





Na sensual tranquilidade da palavra
o poeta tenta uma arriscada ordem
e entre a fábula e a reportagem

simula mentir
para atingir
a superior verdade

Ana Hatherly, in A Idade da Escrita

22 comentários:

Mar Arável disse...

Na verdade sondamos segredos insondáveis
Bj

Fê blue bird disse...

Só agora li que tiveste um problema na vista, espero e desejo que estejas totalmente recuperada
Minha amiga "presa" no Alentejo e livre para desvendar os seus segredos, não vejo melhor "ocupação" (;

Um beijinho com muita saúde

Edum@nes disse...

Enquanto pode. Descubra os segredos que o Alentejo tem. Com o tempo, no tempo que tanto corre. Desejo as suas melhoras também.
Continuação de bos semsns amiga Ana. Beijo.

Elvira Carvalho disse...

Muito interessante. E eu quase não conheço o Alentejo. Durante anos andei pelo Minho, Beiras. Litoral, Estremadura, Ribatejo e Algarve. Ficaram para trás o Alentejo e Trás-os-Montes que
conheço pouco e mal.
Abraço e saúde

Maria João Brito de Sousa disse...

Talvez sim... talvez o poeta simule mentir para atingir a superior verdade...

Seremos sempre um segredo. É (também) isso que nos move.

Abraço, Ana!

chica disse...

Ana, que bom estás melhor da vista e há tantos segredos, alguns até perto de nós. Gostei de te ler! Ótimo fim de semana! Te cuida bem! bjs, chica

Luiz Gomes disse...

Boa noite Ana. Parabéns pelo texto e espero um dia realizar o sonho de conhecer Portugal. Não é à toa que sou Gomes.

silvioafonso disse...

.


Eu eu, hein! Eu que nada sei de coisa
nenhuma e dessa terra tão amada e querida
talvez saiba um pouco graças as rimas dos
seus poetas enquanto a história grita aos
meus ouvidos a bravura dos conquistadores.
Eu, silvioafonso, estive aqui. (risos)

alfacinha disse...

Já há muitos anos passados que descobri esses recantos no interior do seu país
bjos

Mariazita disse...

Regressei da primeira parte das minhas férias. Ficarei aqui uns dia e seguirei depois para a segunda ( e última) parte - este ano “férias passadas cá dentro”…
Aproveitarei este intervalo para retribuir visitas 😊.
E, a título de informação… penso que a Nanda se apresentará no próximo dia 1 de Setembro…

Muito feliz porque tudo correu bem, tanto à esquerda como à direita (vista, é claro!!!).

Gostei de te ler, as usual...

Bom Fim-de-semana
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

São disse...

Comovente testemunho o teu, minha querida amiga!

Viva o Alentejo em toda a sua riqueza!

Te abraço carinhosamente com voto de saúde e tudo quanto queiras

AC disse...

Gosto muito do Alentejo, terra pisada e repisada por idas e vidas de povos, gosto muito dos alentejanos, herdeiros de pegadas mil filtradas na filosofia da planície.
Gostei do testemunho sobre uma certa cátedra, este muito pessoal, mais um na altíssima pilha de reclamações. Mas eles continuam por aí, Ana, embora de forma mais subtil.

Um beijinho :)

rosa-branca disse...

Talvez a mentira deixe transparecer a verdade. Já dizia a minha avó que mentira tem perna curta e é como azeite, não se mistura com água e vêm sempre ao cimo. Beijinhos amiga 😘😘

rosa-branca disse...

Talvez a mentira deixe transparecer a verdade. Já dizia a minha avó que mentira tem perna curta e é como azeite, não se mistura com água e vem sempre ao de cimo. Beijinhos amiga 😘😘

Graça Pires disse...

"Existem máculas de bastardia em todos os estratos". É verdade, Ana. E que sabem os doutores?
"Conheço bem o Alto Alentejo, embora da História vou sabendo algumas coisas. Gostei daquilo de que escreveste como testemunho.
Um grande beijo.

CÉU disse...

Olá, querida Ana!

Só agora soube que fizeste cirurgia às duas vistas (tens uns olhos tão bonitos), mas felizmente tudo correu bem.
O nosso Alentejo tem imenso para dar e descobrir. É um verdadeiro paraíso.

Gostei da tua atitude, noutros tempos, e tu que tudo sabias, mas calaste-te. É assim que se vê o caráter de um ser humano, como tu.

Estou de férias, também fiquei em casa, devido à Pandemia e tenho tido o blogue parado, todavia na próxima 2ª feira vou voltar à blogosfera, mas num blogue brasileiro (fui convidada para uma "brincadeira" poética e aceitei). Vou deixar todas as indicações no meu blogue e gostaria que lesses o que escrevi e comentasses, se tivesses disposição e vistas capazes. Muito obrigada!

Beijinhos e bom domingo.

Juvenal Nunes disse...

O seu texto despertou-me alguma curiosidade e gostaria de saber qual a terra alentejana a que se refere, onde se podem observar pinturas rupestres.
Abraço.
Juvenal Nunes

vieira calado disse...

Quantas vezes amiga,

é preciso mentir para perceber a verdade...

Saudações poéticas!

A.S. disse...

Olá Ana!
Este testemunho que nos trazes, mostra que o Alentejo preserva ainda muito das suas origens. Há sempre coisas fascinantes para descobrir! Eu sempre vivi na cidade, do Alentejo conheço apenas as principais cidades e algumas vilas. Mas é certo que é nos montes mais remotos e menos sujeitos à acção do homem que se encontram verdadeiras preciosidades. O Alentejo sempre me fascinou!!
Grato por partilhares connosco estas coisas deliciosas!
Um abraço.
A.S.

João Santana Pinto disse...

Já tinha Saudade de aqui estar neste teu espaço, dos valores, da inquietude pelo saber e das tuas palavras e escolhas.

Estou a duas semanas das férias, a escolha inicial tinha recaído sobre o Alentejo, mas já não com conseguimos encontrar disponível nada dentro que tínhamos pensado. Assim, será antes uma zona de serra, já Algarve, espero que sejam dias de tranquilidade e de boa leitura para regressar pronto a enfrentar o Inverno que se avizinha e para a Primavera, penso que, em condições normais vou aceitar essa tua sugestão.

Um beijinho Ana

silvioafonso disse...

Estou muito, mas muito feliz com
o restabelecimento da minha amiga,
querida e palmas, muitas palmas
aos doutores da sua cabeceira.
Beijos e beijos. Um montão pra
você.

José Carlos Sant Anna disse...

Saber do Alentejo pelo teu olhar, pelo teu convite; conhecer a história dos doutores e um breve poema de Ana Hatherly que nos diz tanto.
Outro beijo,