Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 20 de março de 2024

O Jardim

 

Cá de casa, 2024

Consideremos o jardim, mundo de pequenas coisas,
calhaus, pétalas, folhas, dedos, línguas, sementes.
Sequências de convergências e divergências,
ordem e dispersões, transparência de estruturas,
pausas de areia e de água, fábulas minúsculas.

Geometria que respira errante e ritmada,
varandas verdes, direcções de primavera,
ramos em que se regressa ao espaço azul,
curvas vagarosas, pulsações de uma ordem
composta pelo vento em sinuosas palmas.

Um murmúrio de omissões, um cântico do ócio.
Eu vou contigo, voz silenciosa, voz serena.
Sou uma pequena folha na felicidade do ar.
Durmo desperto, sigo estes meandros volúveis.
É aqui, é aqui que se renova a luz.

               
António Ramos Rosa, in Volante Verde


Alentejo, 2024


terça-feira, 12 de março de 2024

11 de Março - uma sugestão

 

Alentejo, 2024

    

    Entre o dia das mulheres sufragistas e o 11 de Março ( outro, que já tivemos o de 1975), muitas palavras se esgueiraram...


Alentejo, 2024

    Só as cores do meu Alentejo permanecem iguais às daquele dia 10 de março, longínquo, de 1977 em que comecei a trabalhar. Era, então, uma miúda de 19 anos...tempos de sonho e de muita esperança no futuro.

Alentejo, 2024

    Hoje, vivemos tempos incertos. Oxalá possamos seguir adiante, sem retrocessos. 
    Para um olhar, aqui vos deixo uma sugestão:


Maria Lamas


    "Maria Lamas (1893–1983), jornalista e escritora, pedagoga e investigadora, tradutora e fotógrafa, lutadora pelos direitos humanos e cívicos em tempos de ditadura, foi porventura a mais notável mulher portuguesa no século XX. Enquanto perdura uma certa memória da sua afirmação e ação políticas durante o Estado Novo (anos 1930–1960, que a levou à prisão em 1949, 1951 e 1953) e do seu exílio em Paris (1962–1969), a sua obra literária e jornalística está praticamente esquecida. Muito poucos dos seus livros – mais de uma vintena de obras entre poesia, ficção, literatura infantil, antropologia social, tradução – se encontram disponíveis no mercado." 


Exposição:

26 jan – 28 maio 2024
das 10:00 – 18:00


Local: Átrio da Biblioteca de Arte Gulbenkian

Preço:
Entrada livre
Sujeita à lotação do espaço



Alentejo, 10 de Março de 2024


Alentejo

A luz que te ilumina,

Terra da cor dos olhos de quem olha!

A paz que se adivinha

Na tua solidão

Que nenhuma mesquinha

Condição

Pode compreender e povoar!

O mistério da tua imensidão

Onde o tempo caminha

Sem chegar!...



Miguel Torga, in Antologia Poética, 1974


sábado, 9 de março de 2024

Nunca

 

Care.org - Sudão


Um pardal com saudades de seu lar,
Empoleira-se na janela do coração;
seus olhos têm anseio,
Ele se estica para olhar as casas,
Nos céus distantes,
Esperando por uma manhã alegre,
Carregada de promessas,
Para pousar como um turbante,
Nos ombros de sua pátria.

Com cada golpe nós mergulhamos em um abismo escuro,
A junta de pés pesados ​​sitia nossas canções,
Agitam nosso tinteiro, confiscam sua paz interior.

Eles envenenam nossa alegre primavera,
E colocam seus focinhos em tudo.

Mais um sonho agradável eles desfiguram,
Aos olhos de cada mãe.
Mas eles não conseguem nos silenciar.

Nunca.

Em suas celas bebemos,
o xarope da perseverança,
Para permanecermos,
firmes e corajosos.

Ó meus tempos de prisão,
Ó minhas dores,
de saudade
e de tormento,
Se eu perder o contato com você,
Quem, neste tempo de coerção, eu seria?

Se eu perder contato com você eu vou trair,
Os pequeninos que ainda estão por vir,
Se eu perder o contato com você,
Vaidoso e egocêntrico eu me tornarei.

Enquanto eu tiver uma voz em meus acordes,
Que prisão — ou mesmo a morte — pode me silenciar?

Não.
Jamais sucumbiremos.

Eles não têm nada a dizer
Quanto ao nosso destino.

Não, eles não têm!
Somos nós que trazemos a vida
Aos poros mortos da dormência.

Minha querida,
minha companheira de vida,
No mais alto respeito, sempre te manterei.

Ó minhas amadas filhas,
Aninhadas à sombra das pessoas gentis.

Ó espaço luminoso ainda ao alcance dos olhos:
Aqueça-me com suas saudações pacíficas,
Com suas cartas.

Dê minhas saudações aos meus pares;
Dê minhas saudações às nuvens;
Dê minhas saudações à terra;
Dê minhas saudações à multidão;
E às palavras de romance,
Nos cadernos da juventude.


Mahjoub Sharif, poeta do Sudão (tradução de Raad Abdullah Ferreira)



ONU








terça-feira, 5 de março de 2024

Volição

 

Humildade · Charles Edward Perugini

     Ser o que sonhámos ser deveria ser o desígnio de cada um. Agradeço ao Criador ter tido essa força de vontade, apesar de não me ter sido fácil.
    Escorregamos pela vida e o íntimo sentimento de paz e de tranquilidade habita-nos, mesmo quando um estranho mundo se nos apresenta, perene de violência, turbação e desatino mental generalizado. 
    Dizem-me amiúde que este não é o tempo dos sonhadores nem dos idealistas. Porém, eu, adepta da volição, recuso-me ao desencanto e à ruína, ou ao materialismo economicista no qual um mundo a preto e branco se vai rabiscando de forma desenfreada. 
   O Homem, medida austera de todas as coisas, precisa reconstruir-se e, antes de tudo, Ser, na construção existencial e não existir somente como fruto das circunstâncias externas de momento.
    Cada decisão, como fruto do velhinho e sempre actual "Querer é Poder", resulta de uma profunda humildade consciente. Assim, a cada dia o sonho de um Mundo melhor, talvez ainda se concretize para os vindouros. Não tenho a certeza de que se conheça, hoje, entre a maioria dos jovens, o significado da palavra volição.