IN MEMORIAM
(Edito um «post» do Verão de 2012)
(Edito um «post» do Verão de 2012)
Saramago com García Marquez |
A minha vida é uma história feita de livros. Meio-dia quente de assar pássaros que ousem esvoaçar com bater de asas ruidoso. Sala de móveis altos e escuros, cheios de gavetões com memória e de roupas de linho aromatizadas. Chão de frias tijoleiras vagamente marcadas pelo caminhar de antepassados. Ninguém baterá a mão fechada de ferro enegrecido, pois todos dormem, ou melhor, descansam - como gostam de designar a sesta. Nunca fui de sestas. Abro livros e livros, leio com teimosia autores e autores. Faço-o ainda agora, noutra casa, porque todos se foram para algum lugar e o vulto negro da avó também partiu há muito.
Gosto de autores sul americanos e de poetas clássicos. Mistura das minhas muitas bastardias.
Foi com uma amargura fina que ouvi o anúncio de que Miguel García Marquez está a ser atingido pela demência e não escreverá, por certo, a segunda parte da sua obra anunciada. Não é o meu autor predilecto. Prefiro Cortazar ou J. L. Borges, porque um certo tom libidinoso e um retrato de mulher pouco considerada se colou a García Marquez. Porém, mais uma voz se cala e o mundo a que pertenço ameaça ruir.
Em tempos quando o autor adoeceu, fizeram correr em seu nome a poesia que vos deixo hoje - é bela. Quem a escreveu conhecia o Autor, mas esqueceu-se que Deus não estava nos seus planos e que O trocaria, facilmente, por um trecho musical de Serrat.
La Marioneta de Trapos
Se por um instante Deus se esquecesse
de que sou uma marioneta de trapo,
e me presenteasse um pedaço de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso,
mas definitivamente pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo que valem,
senão pelo que significam.
Dormiria pouco e sonharia mais,
entendo que por cada minuto que fechamos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais se detêm,
despertaria quando os demais dormem,
escutaria enquanto os demais falam, e como
desfrutaria de um bom sorvete de chocolate...
Se Deus me obsequiasse um pedaço de vida,
me vestiria com simplicidade,
me atiraria de bruços ao sol,
deixando descoberto, não somente meu corpo,
mas também minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração....
Escreveria meu ódio sobre o gelo,
e esperaria que saísse o sol.
Pintaria com un sonho de Van Gogh
sobre as estrelas um poema de Benedetti,
que ofereceria à lua.
Regaria con minhas lágrimas as rosas,
para sentir a dor de seus espinhos,
e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida...
Não deixaria passar um só dia
sem dizer à gente que quero, que a quero.
Convenceria a cada mulher e homem
de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor.
Aos homens provaria quão equivocados estão ao pensar
que deixam de enamorar-se quando envelhecem,
sem saber que envelhecem
quando deixam de se enamorar.
A uma criança daria asas, mas deixaria
que ela aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos, a meus velhos, ensinaria que a morte
não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi de vocês, homens....
Aprendi que o mundo todo quer viver no alto da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade está
na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido
aperta com seu pequeno polegar pela primeira
vez o dedo de seu pai,
o tem amarrado para sempre.
Aprendido que um homem unicamente tem direito de olhar
outro homem de cima para baixo,
quando o tiver ajudado a se levantar.
São tantas coisas as que pude aprender de vocês,
mas finalmente de muito não haverão de servir
porque quando me guardem dentro desta maleta,
infelizmente estaria morrendo....
De autor anónimo - Atribuído a García Marquez
Fonte: http://www.elsonfroes.com.br/neumanne.htm (8/07/12)
16 comentários:
Minha cara, isto tem que ser em duas partes... esta a primeira:
- ninguém é (ou está) demente se a memória não nos assiste. Não nos ocorrem datas? Nomes? O que jantámos ontem?
Se nos acusam de dementes porque ainda estamos presentes, qual a intenção?
Querida Ana
Muito oportuna esta homenagem a García Marquez.
É uma tragédia imensa quando uma pessoa que tem no cérebro a sua ferramenta de eleição dela fica privado, tendo pela frente apenas uma existência de escuridão. E o pior é que nos primeiros tempos tem-se consciência disso.
O poema é belíssimo! O seu texto, minha querida,mexe com tantos sentimentos, de perda, de impotência, mas magistral.
Bjs
Olinda
Segundo comentário, como prometido
(e depois do poema lido)
Garcia Marquez pode-me merecer tantas as homilias quantas as que escrevi citando Saramago...
Os criadores só se calam, se não os fizermos falar.
Li "Cem Anos de Solidão" , entre outros, mas aprecio mais Mário Vargas Llosa, por exemplo.
Isso não impede que lamente o seu estado de decadência mental.
Bons sonhos, Anita.
Comprei há pouco tempo uma colectânea de contos de Gabriel Garcia Marques, mas ainda não o li... Talvez seja o livro que agarre, quando terminar o actual. Dele já li "O Outono do Patriarca" e gostei da leitura. Mesmo não sendo um autor que conheço profundamente, fico triste que esteja a ser afectado por tão ingrata doença...
Beijos
Peço desculpa, mas não li o post.
Não porque não o saiba interessante, como sempre, mas porque não posso ficar aqui ... lamento.
Venho dizer adeus, ou então até sempre!
Beijinho
Eu gosto do Garcia Marquez... sempre gostei. Talvez por isso sinta uma fria amargura ao pensar que este homem vai esquecer todas as palavras que pensou e escreveu. E que ninguém pense que, por estar a demenciar, não vai sentir nada... na fase inicial e intermédia da doença, vai sentir claramente que todas as suas memórias o abandonam. Felizmente, no final, já não terá consciência de que se tornou num homem vazio...
Hola Ana: hago una escapadita para saludarte y dejarte mi gratitud.
Que bonita e interesante entrada. García Márquez nos dejo un gran legado, su literatura nos enseña muchísimas cosas de gran valor narrativo.
Gracias por compartir este post con todos nosotros.
Te dejo mi abrazo y mi estima. Hasta siempre y se feliz.
Minha amiga, o passar dos anos traz experiência, saber e conhecimento mas também maleitas.
Mas, um escritor é imortal!
beijinhos
Querida Aninha
Que belo poema.Se estes génios não tivessem existido o mundo seria infinitamente mais pobre.
Gosto muito de te ler. Vem direitinha ao meu coração a tua prosa.
Boa semana e beijinho
Isabel
Bela homenagem a Garcia Marquez...Belo poema...Espectacular....
Cumprimentos
garcia marquez...
sempre gostei de marquez e é único
excelente homenagem
abrazo serrano
De Garcia Marquez(paz para ele!) a livro que mais aprecio é"Crónica de uma morte anunciada" e também não é o meu autor preferido.
Quanto à parte autobiográfica do teu texto, pois ...poderia ter sido escrita por mim, rrss
Aninhas, que a tua Páscoa seja vivida em paz com os teus-
Abraço fraterno
Não tenho autores preferidos, tenho livros. E até estes, se vão alterando de quando em quando. Agora há uma coisa a que eu sou muito sensível: a humanidade de quem fala, escrevendo, de todos nós. Escrevi, no meu "caderno" (deixei de lhe chamar blogue)a propósito desta partida:
A morte é sempre coisa pequena se comparada com vida tão grande...
Bela e justa homenagem....Certeiras
as palavras que ele disse de Portugal
......e actuais ainda....Um autentico cidadão do Mundo...
Aproveito para deixar os votos de
uma Santa Páscoa para si e todos
os seus....
Abraço
Revejo-me bastante no seu conceito de sestas e ainda tenho o vulto negro da avó a dizer-me constantemente para não ler ao sol...
Quanto a García Marquez, apesar do homem que se perdeu ele deixou um legado maior que ele.
Beijinhos Professora Ana
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