Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Rumo

Alto Alentejo, 2020


A minha vida faz-se olhando a planície. As cores que se transmudam ao sabor dos dias pautam-me uma melodia íntima que não vos saberei transmitir. É uma cantata de comunhão e harmonia, de serenidade e de sonoridades que orquestram cada momento.
Vou a trabalho, pois aqueles que longe legislam não se perdem na distância e desconhecem a luminosidade que escorre da lonjura.



Alto Alentejo, 2020

As nuvens viajantes são minhas companheiras e nelas arrumei a infância. Mas reconheço o cheiro da erva cortada e esta humidade que a terra respira. Nunca estarei só, nestas paragens. Tudo se reduz na sua mesquinhez citadina, quando se espraia o olhar pelo longe do horizonte.


Alto Alentejo, 2020

A Primavera que espreita não me retira a inquietação. Eu sei o perigo que se disfarça em cada ondulado do caminho. É estreita a via. Há rumores de que novas guilhotinas se aprestam e de que rondam as sombras esquivas de novos senhoritos e inquisidores.



Alto Alentejo, 2020

Um velho leva as suas cabras. Atravessa a rua deserta. Traz-me o tempo antigo e as portas fechadas. Vou a trabalho, já to disse. Não sou a «cabrita» livre que saltitava pela aldeia da minha infância rodeada de amigas «cabritas» como eu. As avós e mães já não gritam por nós e este não é o tempo das amoras que colhíamos no largo. Agora, só o horizonte é largo e a sua vastidão grita-me a força vital que não nos abandonou, ainda...
O céu não nos cairá sobre a cabeça.


Alto Alentejo, 2020

5 comentários:

Mar Arável disse...

O silêncio não se verga nas suas palavras
canta em voz alta
mesmo que a voz nos doa

Bj

Rogério G.V. Pereira disse...

Quando li a primeira vez, senti nostalgia
Quando li a segunda vez, senti raízes
A meio da terceira, acabei por perceber

Nós somos o lugar que nos deu crescer

AC disse...

Quase o mesmo sentir no olhar circundante, perante o que se vê e os ecos do que nos chega. Aqui, entre montanhas, e apesar da diferente orografia, como te entendo, Ana.

Um beijinho :)

CÉU disse...

O nosso Alentejo, a nossa planície e peneplanície são tão lindas, livres e extensas!
Não sejas pessimista, querida Ana! Adorei o teu texto repleto de recados e desabafos.

Amanhã, o meu blogue será aniversariante. Qdo te for possível, passa por lá. Obrigada!

Beijos e bom resto de semana.

Elvira Carvalho disse...

Um belíssimo post. De todas as terras as províncias do Continente, só Trás-os-Montes conheço menos do que o Alentejo. Mas de tudo o que conheci gostei imenso.
Abraço e bom fim de semana