Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Memória histórica


Regressamos de Lisboa por um túnel de chuva cinzenta e triste. O rádio do carro informa-nos que morreu hoje, aos 105 anos, a viúva do General Humberto Delgado. Paz à sua vida.

Regresso pelo túnel de chuva cinzenta à menina que fui. 
Regressados do monte, os homens refugiam-se na casa, no quarto. Eu e o meu primo, miúdos de sete anos, jogamos cartas sentados no chão sobre uma manta. As vozes ecoam-me de um tempo remoto:
- Foram uns caçadores, ali na fronteira, que encontraram os corpos. Um cão farejou os restos...
Hei-de ter pesadelos nessa noite e noutras seguidas. 

Regresso pelo túnel de chuva a um tempo ao qual o meu país parece querer regressar. Ainda tenho pesadelos, mas já não encontro a criança que fui...

Regressos.



8 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Hoje nem é preciso mandar assassinar, basta a omissão dos média, os cães não farejam nada e em réstias de informação é-lhes facultada a prova de vida...
para memória futura
esta é outra forma de ditadura

Edum@nes disse...

Com ideias nasceram!
Verdes permanecem
De todo não morram
Delas não se esquecem
Às do ditador arraigadas
Cujas raízes eles querem
Contra o povo envenenadas!

Continuação de bom ano.
um beijo
Eduardo.

Mar Arável disse...

Não deixemos morrer os nossos mortos

Daniel C.da Silva disse...

Gosto dos túneis que nos levam a outros tempos... mas terão eles mesmo de morrer para sempre?

Beijinho amigo

São disse...

Quer dizer a senhora morre no dia em que se comemora o assalto ao quartel de Beja em que o seu assassinado marido esteve envolvido , ainda em plena ditadura...

Paz a ambos!

Misericórdia para nós, que estamos recuando na História.

Bom ano para ti e para os teus, Aninhas

Bípede Implume disse...

Querida Aninha
Eu lembro-me dele em vida.
Morava perto do Liceu Camões, onde ele esteve em campanha eleitoral.Eu vi-o. Guardo agora, às claras, mas antes escondidos, todos os seus discursos.
Naquela época era o fascismo puro e duro, sabíamos com o que contávamos. Actualmente sob a capa da democracia é o que sabemos.
Andamos todos adormecidos.
Beijinho e votos de Bom Ano.
Isabel

Pérola disse...

A vida sempre a caminhar levada no/pelo tempo.

Beijinhos

AC disse...

Há pesadelos que permanecem, alguns tendem mesmo a acentuar-se. Como todos os membros da casa dos medos, só há uma solução: enfrentá-los!

Beijo :)