Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

domingo, 29 de dezembro de 2013

2014

Jim Warren, God is an artist


Breve o Tempo leve!
Que Cronos não corre
E espera paciente,
Ciente...
Pois tudo criou
E tudo devorou!

Kairós espera o Momento,
Atento...
Em que oportuno, fugaz,
Enfrentará o audaz
Tirano violento.

E instaura-se o Tempo uno
Em que o humano se compraz.

Ana


FELIZ ANO GREGORIANO DE 2014!

 http://www.mat.uc.pt/~helios/Mestre/H01orige.htm
Estão em uso no planeta mais de vinte calendários.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Saúde e Paz

Leonardo Da Vinci, Uffizi, Florença

Boas Festas, meus amigos!

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Obrigada, São.


Hokusai, xilogravura do séc. XIX



 Descobri que a minha amiga São gosta muito de um género de poesia japonesa designado por haiku ou haikai. Não resisto a ter a ousadia de tentar esse difícil e conciso poema de três versos de cinco sílabas, para lhe agradecer a generosidade que me tem dedicado.
Obrigada, São Banza!


Voam jovens aves
Levam silêncios
Pesados e graves


(Sei que me sabes ler. Aí, só uma palavra terá sentido literal...nada me dói mais na minha profissão.)




Galeria:

domingo, 10 de novembro de 2013

Haiyan

Filipinas - Novembro, 2013 (O Fluminense, br)
No afago tão calmo do meu país cheio de sol e de luz, nem sequer uma folha o vento agita. Só os homens, alterados, silenciam ou gritam o peso dos dias. A luz deste Verão outonal deslumbra, porque a capa de São Martinho - dizem -  abriga, reconforta e acaricia. 

Lá longe, tão perto deste íntimo humano, os homens apodrecem ao relento...
Sabemos, então, que o Grande Arquitecto do Universo vai desenhando o Futuro.
Ptolomeu já não escreve epístolas a Flora...

 http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4d/God_the_Geometer.jpg

Ana

sábado, 19 de outubro de 2013

Temos o dever da esperança!

Escola de Atenas, de Rafael Sanzio 

O nosso é o ofício do Futuro. 



Pitágoras, (pormenor)

Não nos peças o desespero. Nos olhos brilhantes que encaramos em cada dia, cintila a vida e a esperança. Neles se enredam os sonhos e se projecta o Portugal por vir. 

Hypatia de Alexandria (pormenor)

O nosso é ofício do Futuro...



quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Expectativas e cortes


Manipulation Art, Erik Johansson

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...


A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.


Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...


Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!


Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...


Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí.




JOSÉ RÉGIO
Poemas de Deus e do Diabo
(1925)

«deep cuts», Manipulation Art, Erik Johansson



quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Não me peçam razões...

Lanzarote, José Saramago


«Para mim o mundo é uma espécie de enigma constantemente renovado. Cada vez que o olho estou sempre a ver as coisas pela primeira vez. O mundo tem muito mais para me dizer do que aquilo que sou capaz de entender. Daí que me tenha de abrir a um entendimento sem baías, de forma a que tudo caiba nele.»

José Saramago, O Jornal, Janeiro de 1983


*****

Um dos governos de Cavaco Silva proibiu a indicação do romance O Evangelho Segundo Jesus Cristo para o Prémio Europa. Saramago recebeu o prémio Nobel da Literatura em 1998.

***** 


Não me Peçam Razões...Não me peçam razões, que não as tenho, 
Ou darei quantas queiram: bem sabemos 
Que razões são palavras, todas nascem 
Da mansa hipocrisia que aprendemos. 

Não me peçam razões por que se entenda 
A força de maré que me enche o peito, 
Este estar mal no mundo e nesta lei: 
Não fiz a lei e o mundo não aceito. 

Não me peçam razões, ou que as desculpe, 
Deste modo de amar e destruir: 
Quando a noite é de mais é que amanhece 
cor de primavera que há-de vir. 
José Saramago, in Os Poemas Possíveis




sábado, 5 de outubro de 2013

Naquele tempo...

Margaret Tarrant

Naquele tempo, pequenas fadas enchiam-lhe os pensamentos. O mundo era limpo e o outono guardava uma réstia do calor estival de uma doçura sem mácula. Os sonhos desenhavam o futuro.
Outubro chegava, assim, depois uma chuvada quente que aclarava a limpidez do ar. Tudo se aligeirava numa leveza etérea. Outubro era um recomeço. A feira, a escola, os frutos amadurecidos, o cheiro de pastos húmidos, o ranger dos pneus da bicicleta sobre a areia...
A avó tecera um pequeno jardim com perícia e ela tinha, ali, o paraíso perdido. Nele, ainda morava a ânsia de conhecimento e teias molhadas brilhavam na luz matinal. Labirintos incólumes...
Outubro chegava, promessa de futuro, no quadro negro riscado a giz.

Ana

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Da Eternidade






«Oiço os murmúrios do sol. Saboreio o que sou.
Sou renovado pelo espaço, nasço num espaço verde.
O que eu amo está perto entre a terra e o ar.»



"o puro amor a cada coisa

o absoluto no ínfimo"

                                                                                          António Ramos Rosa



sexta-feira, 6 de setembro de 2013

La Rentrée...

«Olho do gato», Hubble

Discurso vago. Rostos quietos. Nebulosas várias.


sábado, 31 de agosto de 2013

A Norte não há cegonhas



Andei pelo Norte, percorri vales e montanhas que caem a pique sobre casas enterradas no verde dos prados. Fui tomada pelo frenesim das pequenas vilas de sabor medieval, desenhadas pelo Barroco tardio, aonde um cheiro vago de inquisição ainda esmaga algumas almas.
Estradas sucessivas falam dos excessos e servem de refúgio a homens com realidades paralelas. As palavras gritam-se nos ares, num receio ardiloso de não serem escutadas. 
Ouvi risos dignos de Laurent Joubert e, por isso susceptíveis de resolverem todos os problemas. Não fora eu conhecedora de Plutarco, que há muito nos preveniu que existe algures nas Índias um lugar habitado por homens sem boca e que se alimentam apenas de odores, incapazes da faculdade do riso... e teria acreditado estar num lugar feliz. 
Andei pelo Minho aquecido por incêndios e, no coração das noites, caminhei à beira-mar da minha juventude actualizando os lugares da recordação.
O calor húmido trouxe-me saudades da lonjura, porque a norte não há cegonhas...

Ana


domingo, 25 de agosto de 2013

Presente

http://www.galeriandre.com.br/vito-campanella/
Quando penso no presente, a única metáfora que encontro plasma-se nos quadros de Vito Campanella: um mundo onírico de humanos sem rosto ou onde os rostos se substituem por máscaras.
Vito Campanella

terça-feira, 20 de agosto de 2013

46º ao sol...

Alice no País das Maravilhas,  Dreamstime.com

Caminhávamos com passos miudinhos, eu por ser tão menina e tu por os anos te estreitarem a caminhada. 

Sempre nos equilibrámos sobre a vida. 

Ensinaste-me a duvidar da realidade e das palavras dos humanos - «Cada um tem a sua história», dizias.
Tu descansavas  menos de meia hora em cada dia de calor - «Escalecias», como se diz no nosso falar alentejano. E, eu lia, enquanto o gato dormia a sesta no meu regaço.
Quando o teu olhar negro, de morena, se cruzava com o meu encandeado e claro de branquita, o entendimento era perfeito. Sempre li nesse olhar, e nas sábias palavras que tinhas, um desafio para melhorar e para crescer interiormente. Sempre soube que éramos herdeiras do saber livresco do teu pai e da ascendência árabe e campestre de tua mãe. O respeito pelos anciãos - essa palavra de tantos plurais e, porventura, mal assimilada pela Língua - foi uma herança que o mediterrâneo nos trouxe. Eles, os sábios da nossa cultura materna. Por isso, o monte para onde caminhávamos se chama «Falcão»...

Um dia partiste, numa hora de calor de Setembro, aos noventa anos e enquanto dormias...

Lembro-te, agora, ainda refugiada do calor que a nossa terra quente respira, a recordar o deserto, aqui tão perto. Evoco-te, avó, pois há um desajuste imenso entre a tua lição da minha infância e este tempo ligeiro e fútil que cada um tenta exibir de «maravilha», enquanto o Verão corre e torra as mentes, embotando a realidade.

Um dia, será necessário acordar no país das sombras.



Ana




Este Céu Cheio de Terra, Max Tilmann

domingo, 11 de agosto de 2013

Biblioclastas

Figueira da Foz, 2013 - José Alves
Vivemos num claro país rente ao mar. Detenho-me a pensar num livro a que retorno, pois acredito que neste tempo de convenientes, resilientes e resistentes tudo se apouca ao sabor de uma geração facciosa e clubística. Despreza-se o intelecto, morada impertinente, e banaliza-se no «politicamente correcto» um atraso civilizacional assustador. Esta é, por certo, a mais subtil forma de ignorância e o sinal óbvio do fim de uma civilização.
Existem formas ignóbeis de desprezo, a pior de todas é a da intolerância para com o saber daqueles que não são duplos de nós próprios. Isso aconteceu na História da Humanidade e repete-se. Fernando Báez explica-o bem na obra a que retorno.


Ocorre-me esta reflexão, perante a forma volúvel como foram noticiadas a morte e as exéquias de Urbano Tavares Rodrigues. A sua arte literária, a sua carreira universitária e a sua índole não se reduzem a uma «militância», mas assim perpassou na comunicação social que tudo aligeira sem massa crítica nem conhecimento. Habitando o sistema educativo entendo esta falta de profundidade, este verniz de pudor cretino, este clamor de aparências e cores de papagaios tropicais que povoam o nosso Verão boreal. Tantos egos e tantos vazios...tanta ruína, e a pior de todas é a humana!

Vivemos um ocaso «à beira-mar plantado».

Figueira da Foz, 2013 - José Alves

No dia 9 de Agosto de 2013
houve uma vaga de calor. De certo modo
ele morreu dentro de um seu romance-
Não foi notícia de abertura. Os telejornais
mostraram mulheres gordas em Carcavelos
e um sujeito pequenino (parece que ministro)
a falar de “cultura política nova.”
Mais tarde este dia será lembrado
como a data em que morreu
Urbano Tavares Rodrigues.

Manuel Alegre
Lisboa, 9/8/2013


Este o romance que inspirou Manuel  Alegre

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Horas de vidro

Instituto Camões


Conheci o professor no fim dos anos setenta na Faculdade de Letras de Lisboa. Nunca foi meu mestre, mas a presença firme e o sorriso suave conduziram-me à descoberta da sua obra. Tornei a estar perto dele no final dos anos noventa...O meu mundo ficou mais pobre. O meu país vai tombando em ruínas...
Adeus professor!




Destino

I


Trago na fonte
e estrela do fogo
da minha revolta
Nunca aceitaria qualquer tirania
nem a do dinheiro
nem a do mais justo ditador
nem a própria vida eu aceito...
tal como ela é
com todas as promessas
do amor e da juventude
e a parda doença
de envelhecer
a morte em cada dia
antecipada


II


Na mais labrega alforja
ou na cama de folhas macias
da floresta
onde a chuva te adormeceu
há sempre um diamante de sol
cujos raios te penetram de
ventura
ao sonhares a palavra
liberdade


III


Quando a terra poluída
tiver sorvido
toda a água dos lagos e das
fontes
hei-de levar o meu fantasma
até ao porto sonoro
onde a esperança cai a pique
sobre o mar dos desejos sem limite



                           Urbano Tavares RodriguesHoras de Vidro




sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Muitos optaram pelo silêncio...




Mario Vargas Llosa, o escritor peruano nascido em 1936 e prémio Nobel da Literatura em 2010, nem sempre foi um dos meus autores de eleição. Hoje, no entanto, aproveito os longos dias de calor para retornar aos livros - o computador é, ele mesmo, mais uma labareda... Llosa não tem a escrita burilada que me cativa, mas nele existe uma lucidez que me encanta. Jamais é fútil ou ligeiro, mesmo quando escreve obras infantis. 
A obra que leio é uma fina análise na qual o ensaísta, o escritor e o jornalista fazem uma admirável síntese dos nossos tempos. A obra começa por chamar T.S. Eliot, George Steiner, Guy Debord, Gilles Lipovet­sky, Jean Ser­roy e Frédéric Mar­tel, para aju­darem a car­ac­teri­zar a “meta­mor­fose” da cul­tura con­tem­porânea, e ter­mina con­vo­cando Nicholas Carr, autor de Os super­fi­ci­ais, para falar sobre “o que a Inter­net está a fazer aos nos­sos cére­bros”.
Aqui vos deixo uma visão geral:

Sinopse
A banalização das artes e da literatura, o triunfo do jornalismo sensacionalista e a frivolidade da política são sintomas de um mal maior que afecta a sociedade contemporânea: a ideia temerária de converter em bem supremo a nossa natural propensão para nos divertirmos. No passado, a cultura foi uma espécie de consciência que impedia o virar as costas à realidade. Agora, actua como mecanismo de distracção e entretenimento. A figura do intelectual, que estruturou todo o século XX, desapareceu do debate público. Ainda que alguns assinem manifestos e participem em polémicas, o certo é que a sua repercussão na sociedade é mínima. Conscientes desta situação, muitos optaram pelo silêncio. Uma duríssima radiografia do nosso tempo e da nossa cultura, pelo olhar inconformista de Mario Vargas Llosa.(Wook)
Mario Vargas Llosa

Claro que o título me fez lembrar uma outra obra que até por aí circula na rede, mas com uma perspectiva bem diversa, esta:





segunda-feira, 29 de julho de 2013

Yannis & Gorkem Saoulis

Tessaloniki

Ontem arrefeceu, subitamente. O anfiteatro ficou quase vazio. Pergunto-me, intimamente, por onde andarão os meus conterrâneos. Por vezes, uma irrealidade assola esta localidade: todos imitam todos. 

Gostaria de tecer fímbrias de  adjectivos e de palavras inusitadas, mas a realidade impõe-se, atípica e sombria, nestes dias de Verão. Partiram todos de férias, viajam como se fora a última coisa que pudessem fazer...

Recordo tempos assim, «années folles» entre duas guerras, e percebo a construção destas realidades em fuga, em busca de mundos oníricos.
Os dias pesam como chumbo, as noites são longas e fantasmagóricas. Ouvem-se raposas que gritam do outro lado do rio e o lodo cresceu com os calores do Estio. 
Aqui, uma voz da Macedónia grega ecoa e dialoga perene com a tradição turca. Gorkem Saoulis leva-me na fuga. Também eu, afinal, me escapo deste lugar abandonado.  
Irmanemo-nos, meu irmão do Sul, que a harpa soa serena e o kanum taksim é o arfar dos destemidos!

Ana

quinta-feira, 25 de julho de 2013

25 de Julho



Minho, milho - José Alves

Caminhávamos por esses campos de milho e vinhas e o vento fresco de Caminha levava-nos muitas vezes até à Galiza. Era um mundo viçoso de juventude e remadas largas pelo rio e eu sorria, largamente, contra o granito que sempre me apertou numa tristeza íntima de criatura do sul, habituada às luminosas fachadas de luz.


Caminha, Igreja Matriz - José Alves
Depois, veio aquele dia distante em que celebravas o apóstolo Tiago e unimos os nossos trilhos de contrários, numa busca de plenitude que Pitágoras saberia explicar melhor. Tantas vezes nos perdemos por Compostela - e ainda isso acontece hoje, apesar da opacidade que se instalou entre mim e a fé dos homens. Nem o rei D. Manuel aí rumou tantas vezes...

Catedral de Santiago - Miguel Elói

Hoje celebramos o dia, ajustamos contas com a história que é nossa, comemos e brindamos ao teu Norte e ao meu Sul e aqui deixo o testemunho de amor que há trinta e dois anos nos traçou uma rota comum.

                                                                                  *

Uma nuvem negra, porém, instalou-se no céu claro da minha terra quente, para que não me esqueça, também, do sofrimento e dos corpos que hoje juncam os verdes campos da Galiza, prova irrefutável do livre arbítrio dos homens.


Ana



quarta-feira, 17 de julho de 2013

O DISCRETO


Peeter Neeffs I - 1578-1660

Que passei anos a estudar o Barroco já não é por aqui novidade. Que levei horas a fio a ler processos inquisitoriais, menor novidade é ainda...foi tempo perdido? Não. Orgulho-me disso? Não, e o motivo é simples: a minha ideia de Deus escapou-se-me das catedrais para  universo. Eu decidi fazê-lo por me sentir inquieta com tudo o que se oculta sob a camada superficial dos seres e das épocas. Sobre o referido período as camadas de ocultação tombaram em abundância. A fragilidade da sociedade portuguesa da época, que se deslumbrava com os modelos dos dominadores e expulsava os seus melhores filhos, tornou-se um paradigma daquilo que somos hoje - dependentes, pretendentes e obscuros.
Desses tempos guardo muitos pintores e autores a que retorno amiúde. Por estes dias, de muito trabalho e provações diversas em terrenos de armadilha e poeira, vou relendo Baltasar Gracián y Morales que sendo jesuíta - com tudo o que isso significou então - teve a lucidez necessária para perspectivar o seu tempo.  A obra tem o sugestivo título: O Discreto. Num momento em que se fecham por aí governantes e pretendentes e na catedral se aplaudem políticos com estridentes palmas, enquanto seguranças de serviço vigiam as ruas, aqui vos deixo - com o sabor de antanho -  um excerto daquilo que leio:

«Daqui nasce que esses tais, mui pagos de sua paradoxia, solicitam a ocasião e andam à caça de empenhos; vão à conversação como a contenda, levantam porfias, e, feitos harpias insofríveis do bom gosto, a tudo arranham com suas acções e a tudo dessazonam com suas palavras. [...] Se passam logo de bacharéis de presunção a licenciados de malícia monstros da impertinência.»(pág. 87).





Ana

terça-feira, 9 de julho de 2013

Inclemência...

Willem Haenraets

Conheço o levante e o suão. Convivi com nortadas. Não é o clima que me conduz...caminho, sempre pelo mesmo parque, e é este o trilho que me leva do ninho ao labor. O suão afaga as minhas costas e eu sei que é ele e que rumo a nordeste. O sol incendiado declina e queima e o meu lugar é este. Nele habito os sonhos que vou tecendo e que burilo na rudeza ingrata do desfiar destes dias. No meu pátio ardem os gerânios, criaturas que, como eu, resistem de pé à inclemência dos idos. Só o suão nos abraça neste afago inclemente, no suor dos dias, no calor indolente...

O meu mundo navega sem rumo, porque a elite do lixo não conhece sequer o rumor das marés. Navega à vista e embate nas rochas. Sorri sem nexo e ensaia esgares de sobrevivência. Na praça deserta aves refugiam-se do ar pesado e morno. Todos desertam...
Onde se esconderam os homens deste lugar?

Ana


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Saudades gregas



Grécia - José Alves, 2008

Sempre estarei na Grécia como quem regressa a casa, por isso não entendo o lastimável discurso vigente - esta pobre «doxa» que nos mergulha numa profunda escuridão cultural e civilizacional. 
«Nós não somos os gregos», repetem homens que nem ler grego sabem, por certo. Sim, não somos. Habitamos um rectângulo em ruínas e a pior de todas é a cultural. Dela decorre a verborreia discursiva que desconstrói a nossa sociedade.



Sempre estarei na Grécia como quem regressa a casa...

sábado, 29 de junho de 2013

Metaestável


Alentejo - José Alves

Os dias têm agora um ritmo de explosão silenciosa e alongam-se até ao serão. Pássaros agitam asas no ar morno e há um rumor que se aquieta no íntimo desespero. O labor é difícil e o alimento aligeira-se. Lassos, os corpos resistem como podem e encharcam-se de água morna - tisnam-se e emagrecem.
Os rostos já não contemplam a Primavera e sabem, agora, da ilusão colorida da terra infrutífera. A débil aragem destruirá suas pétalas e todo o efémero se converterá em pó.


Alentejo - José Alves

Herdeiros que somos dos ecos de outrora, viajaremos na quietude escaldante do suão. Franziremos o rosto, sentiremos o peso e o cansaço, caminharemos ainda, mal o sol se ponha incendiando a planura. 

Um dia, os rostos cansados sorrirão...

Ana



quinta-feira, 13 de junho de 2013

A comédia dos enganos


Adriano Renzi

Não, não me refiro ao título da famosa obra de W. Shakespeare...este é um post encriptado na realidade da Europa e do nosso país. A ficção não supera, hoje, os dias que vivemos. Eu, pobre escrava assisto à [...].

BUC

Desculpem, meus amigos, mas quem me conhece sabe que tenho o enorme defeito da memória....