Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 13 de março de 2019

Se os professores usassem armas...




Platão, Atenas, Grécia


SE OS PROFESSORES USASSEM ARMAS, NÃO SERIAM PROFESSORES! 




Mestre

Mestre, meu mestre querido,
Coração do meu corpo intelectual e inteiro!
Vida da origem da minha inspiração!
Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?

Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,
Alma abstracta e visual até aos ossos.
Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,
Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,
Espírito humano da terra materna,
Flor acima do dilúvio da inteligência subjectiva...

Mestre, meu mestre!
Na angústia sensacionalista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,
Eu, escrevo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!

Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,
Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
Natural como um dia mostrando tudo,
Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.
Meu coração não aprendeu nada.
Meu coração não é nada,
Meu coração está perdido.

Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.
Que triste seria como tu se tivesse sido tu.
Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi!
Depois tudo é cansaço neste mundo subjectivado,
Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,
Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas,
Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.
Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento
Pela indiferença de toda a vila.
Depois, tenho sido como as ervas arrancadas,
Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido.
Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça,
E eu por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém.
Depois, mas porque é que ensinaste a clareza da vista,
Se não me podias ensinar a ter alma com que a ver clara?
Porque é que me chamaste para o alto dos montes
Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?
Porque é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela
Como quem está carregado de ouro num deserto,
Ou canta com voz divina entre ruínas?
Porque é que me acordaste para a sensação e a nova alma,
Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha?

Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
Poeta decadente, estupidamente pretensioso,
Que poderia ao menos vir a agradar,
E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.
Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!

Feliz o homem marçano,
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.

A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir. 


Álvaro de Campos





EU NÃO USO ARMAS. SOU PROFESSORA!

11 comentários:

Larissa Santos disse...

Gostei do poema. O titulo é emocionante visto a tragédia que aconteceu hoje...

Hoje:- Caminhos da ilusão...

Bjos
Votos de uma óptima noite


Rogério G.V. Pereira disse...

Nós somos
os professores que tivemos

Acho
que falou deles
o Álvaro

Mariazita disse...

Platão estava coberto de razão. Mas os tempos eram outros...
Como tenho uma filha professora, e todos os dias ouço os seus lamentos... quase me apetece dizer: Bons tempos, esses de Platão.😉
Foi bom recordar Pessoa, num dos seus heterónimos.
Gosto do teu cantinho...

Desejo bom Fim-de-semana
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

Anónimo disse...

Brilhante este poema do pseudónimo de Fernando Pessoa!
Bom fim-de-semana
:)

Jaime Portela disse...

Ainda bem que as armas não fazem parte do "arsenal" dos professores...
Um poema impressionante do Fernando Pessoa, obrigado pela partilha.
Ana, um bom fim de semana.
Beijo.

Manuel Veiga disse...

sem armas, mas um poder enorme - despertar inteligências
e capacidade de sonhar...

beijo

Graça Pires disse...

Professores armados? Isso saiu da cabeça de um idiota…
Álvaro de Campos convoca o Mestre. Imagine-se o que ele diria deste tempo que vem regredindo a passos largos…
Ser professor é uma grande responsabilidade, todos sabemos. Alguns esquecem, é verdade…
Uma boa semana, Ana.
Um beijo.

Olinda Melo disse...


Bom dia, querida Ana

Daqui do teu espaço um grito de alerta
e uma tomada de posição pertinente.
Nos tempos que correm as cabeças andam
todas baralhadas. É importante que todos
nós digamos aquilo que pensamos da
insanidade que grassa por aí.

A Escola é o local de transmissão de
Conhecimento e o papel do Mestre é
mesmo esse e jamais pegar numa arma em
nome de seja o que for.

Parabéns, Amiga.

Beijinhos

Olinda

Majo Dutra disse...

Um poema soberbo, escrito por FPessoa na contrução
do carácter e personalidade de Álvaro de Campos.
Foi um prazer reler...

Armas?!
Alienações.

Beijinhos
~~~~

Existe Sempre Um Lugar disse...

Bom dia, ser professor, é abrir caminho aos alunos, para que estes mais tarde, sejam professores, juízes, engenheiros, mecânicos e todas outras profissões, ser professor, é ter a profissão acima de todas as profissões, sem professores, não existe a transmissão do conhecimentos para o desenvolvimento. o professor, usa a arma do conhecimento.
AG

O Puma disse...

25 de ABRIL sempre
olhos no 1º de Maio