Com uma melhoria significativa na minha visão do olho esquerdo, atiro-me à leitura. Dias de sangue e de chuva intensa, levam-me a Amos Oz - ainda não tivera ocasião de encontrar este seu livro.
"Se não houver aqui dois estados, e rapidamente, é muito possível que, para retardar a criação de um estado árabe do mar até ao Jordão, se erga aqui, temporariamente, uma ditadura de judeus fanáticos… de características raciais, que subjugará com mão de ferro quer os árabes quer os seus opositores judeus. Uma ditadura destas não terá uma vida longa." (...)
As guerras continuarão (...)"até à queda da Autoridade Palestiniana e à ascensão do Hamas ou de um factor mais radical e fanático do que o Hamas."(Amos OZ)
O autor morreu em 2018, mas poderia ter escrito hoje estas palavras.
Amos Oz (1939-2018) é o escritor israelita mais conhecido e lido no mundo. Nascido em Jerusalém, viveu os últimos anos da sua vida em Telavive. Dedicou-se à militância a favor da paz entre palestinianos e israelitas, foi professor de literatura na Universidade BenGurion, no deserto do Neguev, e membro da Academia da Língua Hebraica. Os seus livros receberam as mais importantes distinções internacionais, incluindo o Prémio Femina (1988), o Prémio da Paz dos Livreiros Alemães (1992), o Prémio Israel de Literatura (1998), o Prémio Goethe (2005), o Prémio Grinzane Cavour (2007), o Prémio Príncipe das Astúrias (2007), o Prémio Franz Kafka (2013), o Prémio Pak Kyongni (Coreia, 2015) e o Prémio Bottari Lattes Grinzane (Itália, 2016). Judas, o seu último romance, foi galardoado com o Prémio Internacional de Literatura – Casa das Culturas do Mundo 2015 (Alemanha) . (WOOK)
São os ecos distantes das guerras que nos torturam. Alguns enfiam a cabeça na areia ou levitam nos sonhos, nós vagueamos por aí...sempre fomos aonde tínhamos que ir, fitámos nascimentos e moribundos. A vida tem estes ciclos e alguns são de retrocessos em espiral. Por aqui, viajamos no tempo - são as nossas "voltas". Já te detiveste para reflectires sobre o sentido desse termo?
Oliveira, Castelo de Montemor-o-Novo, 2023
Chegada até aqui, talvez cultivada por Ísis, a mulher de Osíris, é este o seu tempo. Tudo tem o seu tempo! Das mãos dos fenícios, às dos gregos e às dos romanos, o crescente fértil e a Civilização vivem nela. Porém, que fizemos aos tempos? Onde pára a Civilização?
A minha amiga Christel, sitiada em casa, diz-me que ela se desmorona pelas ruas da sua Bélgica. Os ecos da distância ecoarão, sempre, na Europa. Afinal, como há tanto tempo escreveu Anaxágoras, "Tudo faz parte do Tudo"...
Montemor-o-Novo, 2023
Na distância, a nova cidade espraia-se ao olhar! Tudo vai mudando, pois bem sabemos que a velha urbe se aninhava na cerca do castelo. Os lugares mudam de lugar, implacavelmente. E, este, é sítio de muitas mudanças. A História não se cristaliza. Mas, diz-me, o que nos sobra de tudo isto? A face grotesca dos mortos, como naqueles que tanto nos impressionaram, ali na entrada daquele museu - catorze séculos antes da era comum, mais estes XXI que tanto nos torturam...que velhos sinais de Civilização! Trinta e cinco séculos, porém nada aprendemos.
Jerusalém, 2019 - José Alves
Nota: "Os caixões de cerâmica antropóides do Levante da Idade do Bronze Final são uma prática funerária única que é uma síntese das ideologias egípcias e do Oriente Próximo . Os caixões datam dos séculos 14 a 10 aC e foram encontrados em Deir el-Balah , Beth Shean , Lachish , Tell el-Far'ah , Sahab e, mais recentemente, no Vale de Jezreel em 2013. [1] Os caixões mostram Influência egípcia no Antigo Oriente Próximo e exibe muitas qualidades egípcias nas representações das máscaras faciais nas pálpebras. As tampas podem ser separadas em duas categorias artísticas, a natural e a grotesca , e os corpos são separados em tipo A , afilados a partir dos ombros, e tipo B , cilíndricos. [2] Os túmulos contêm ricas ofertas funerárias de diversas origens de Chipre , Micenas , Egito , Fenícia e Canaã . Os túmulos parecem ter sido originalmente reservados para autoridades egípcias e mais tarde tornaram-se parte da cultura cananéia e filisteu . [3]" (WIKI)
Urgentemente
É urgente o amor. É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas.
É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente permanecer.
Eugénio de Andrade, As Palavras Interditas - Até Amanhã
O Outono traz essa nostalgia do momento iniciático em que olhávamos ao redor e tínhamos um redil de sonhos de que os outros cuidavam e, olhando em frente, víamos o Futuro alimentado pelo fiar de quimeras que íamos desenhando sozinhos.
Agora, a vida traz-nos os frutos maduros de uma sementeira antiga. Outonais, perdemo-nos na lonjura da terra quente, excessiva de memórias e de fortalezas de uma História de invadidos ou evadidos.
Amamos esses lugares ocultos nas lonjuras de caminhos de terra que serpenteiam por aí. O Alentejo é imenso e, na surpresa dos seus mitos e lendas, alberga o respirar antigo e gerador. Unidos nesse desígnio, calcorreamos rotas apagadas. Desta vez foram dez quilómetros de mau caminho por terra batida.
Vista sobre o Parque de las Brujas (Espanha)
Olhamos, embevecidos, a outra margem do rio Ardila, anónimos, e a designação "parque de las brujas" tão querida dessas gentes do outro lado. Deles nos defendemos, e a velha povoação de Noudar (extinta por decreto?!) contra eles se fortificou sobre as ruínas dos povos, desde a pré-história ... o orgulho da nossa identidade cristalizou naquele lugar isolado. Assim, ali, no Outono até as aves se parecem calar.
Castelo de Noudar
Romanos, visigodos árabes...sangue mestiço de tantas origens, como apurar os sonhos de todos?
Noudar
O isolamento sempre foi a condenação encontrada pelos poderosos do mundo. E Noudar perdeu-se nas eras. Só os linces se propagam, seus guardiões e senhores.
Lince ibérico (wiki)
Barrancos, a dez quilómetros, foi-se ajeitando nas suas pequenas casas, altiva no serpentear de lendas e serpentes encalmadas, porque moiras encantadas e perdidas de amores, se refugiaram lá no castelo de Noudar - agora sem gente, sem povoação, extinta. Barrancos, município de uma só freguesia - Barrancos! Menos de duas mil criaturas que o poder menospreza, para tal basta olhar a estrada que lá nos leva.
Noudar, Baixo Alentejo
Amamo-nos nesta identidade de aventureiros, neste arfar da Natureza. Não nasceste alentejano e eu digo, a brincar, que te "alentejanaste". Nem o pequeno canivete te falha na hora de comer...e não dispensas o bolo finto para acompanhares o café forte que levamos de casa.
É caótica a pólis, e seremos gratos pelo fôlego de gatos que ainda temos. Hoje, viajamos na memória de dias quentes e sedentos de vida.
Nunca leves a tua medida para lugares de milénios, abre-te ao sonho, busca a metáfora, perde-te por aí...que o mundo de roteiros e plásticos pode, apenas, arranhar a superfície.
A Beleza emerge do inusitado, num qualquer recanto sem expectativa. Recordo, então, Paracelso esse suíço-alemão que viveu do século XV para o século XVI e que reflectiu sobre a arte do Amor. Ensinou essa postura tão singela: amar é tão simples, basta aceitar a diferença e livrar-se do estereótipo.
Nenhum dos meus amigos, que visitou Atenas, apreciou a pólis.
Vivi nela dez dias em plena crise do OXI...suja, decadente, com manifestantes, paredes pintadas, taxistas que eram médicos e professores desempregados, turistas ricos e pobres, refugiados da Síria aos magotes, o hotel repleto de militares fugidos da Turquia por causa do golpe fracassado contra o ditador Recep Erdogan, gente anónima nas ruas onde nasceu...
Capital da decadência de uma sociedade de consumo que fracassara, perdida na corrupção e no aproveitamento estrangeiro que, abutre, lhe ía consumindo o espírito e a paz social. Mas, ainda assim, cidade de origem e de conhecimento que acolhia a matriz bela de um retorno à civilização que somos: hino e apelo ao conhecimento e compreensão da nossa essência profunda, eco do passado da Europa tal como a conhecemos.
José Alves, Templo de Zeus
"Quem nada conhece, nada ama."
José Alves, Ágora (no monte, o Planetário)
"Quem nada pode fazer, nada compreende."
José Alves, Templo de Hefesto
"Quem nada compreende, nada vale."
José Alves, Áttica, edifício da edilidade
"Mas quem compreende também ama, observa, vê..."
José Alves, Kolonaki
"Quanto mais conhecimento houver inerente numa coisa,"
José Alves, Universidade de Atenas (Edifício Administrativo)
"tanto maior o amor..."
José Alves, Museu de Numismática
"Aquele que imagina que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo,"
José Alves (sim, sou eu e o José Alves), Poseidon, Museu Nacional Arqueológico
"como as cerejas, nada sabe a respeito das uvas."
José Alves, Pireus
Paracelso chamou a esse olhar viciado pelo senso comum, ligeiro e rotineiro, de "olhar em linha recta". Esse olhar é perigoso, na medida em que nos nega a tolerância e a Beleza.
José Alves, Espólio das Ciclades, MNA
E, porque Paracelso também foi um médico renascentista e nos recomendou, sabiamente:
“Todas as substâncias são venenos, não existe nada que não seja veneno. Somente a dose correcta diferencia o veneno do remédio.”
Sempre acompanhado por guia, Erik Futtrup visitou sozinho alguns sítios arqueológicos da Líbia
O planeta parece estar a enlouquecer e os humanos a perderem a noção da sua humanidade. Nunca fui particularmente pessimista, mas como acreditar neste enviesamento amostral que nos vai fechando em bolhas noticiosas e vontades de hedonismos vários a que o tempo convida?
Para onde estará a ser remetida a memória histórica? O nosso compromisso colectivo? O nosso testemunho (se mais velhos) perante as novas gerações? Como poderemos acusá-los de fúteis ou de egoístas?
Correm notícias sobre Marrocos, trágicas notícias.
Por onde anda o rei desse imenso e vizinho país?
"A vida de luxo do rei Mohammed VI em França
O monarca marroquino passa grande parte do tempo em França, dividido entre a mansão em Paris, a cerca de 700 metros da Torre Eiffel, ou num castelo na comuna de Betz, a 72 quilómetros de Paris.
A mansão em Paris, do lado esquerdo do Sena, foi construída em 1912, tem dez quartos, uma piscina, um salão de jogos, spa, salão de cabeleireiro, uma sala de conferências, um jardim de 3.300 m² e um vasto terraço com vista da capital francesa, descreve o 'The Times'." (Flash)
Correm notícias sobre a Líbia, trágicas notícias. Não tantas, por sinal...
Passaram os romanos, os gregos, os otomanos, os italianos, explorou-se o petróleo, os ditadores, as "primaveras", encheram-se as praças...intervenções militares e abandonos, as tantas guerras fratricidas...as, pelo menos, quatro facções que dizem governar um não Estado!
A Humanidade que se perde e se transaciona para o Ocidente nas tantas rotas das migrações que sempre ocorrem quando a instabilidade se instala e o perigo ou a fome espreitam.
A Humanidade que esgota recursos e sofre as consequências, pois se esquece dos ensinamentos e da História.
Em 1969, o meteorologista Edward Lorenz usava a metáfora que o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo.
Pinturas rupestres, região de Tadrart Acacus, Líbia, 12.000 a.C a 100 d.C. Pinturas rupestres, região de Tadrart Acacus, Líbia, 12.000 a.C a 100 d.C (foto: Luca Galuzzi, CC BY-SA 2.5) Os sítios de arte rupestre de Tadrart Acacus sobreviveram por 14.000 anos no deserto do sul da Líbia, mas eles agora estão sob séria ameaça. Desde 2009, o vandalismo tem sido um problema contínuo: pichações foram feitas com spray na superfície de muitas das pinturas, e pessoas gravaram suas iniciais na rocha. Mas apesar dos alertas da UNESCO e de outras organizações para o governo intervir com restaurações e medidas de segurança, os esforços para proteger esse antigo e precioso sítio têm sido gravemente prejudicados por conflitos armados e caos político.
Perdido no imenso continente africano e a tombar para a Arábia, o Sudão (agora dividido em dois países: do Norte e do Sul), carrega consigo os antiquíssimos reinos da Núbia e Cuxe. É/são países imensos em História e em território. Anterior à História egípcia e confundindo-se com ela, tem mais do dobro das pirâmides (documentadas) daquele país (Egipto,120 e Sudão, 250).
Álvaro Figueiredo
Após a queda da 24.ª dinastia egípcia tornou-se na principal potência do Nilo. E é, actualmente, património da Humanidade para a UNESCO. As almas viajantes e os académicos enchem páginas de informação e as fotografias abundam.
Álvaro Figueiredo
Amarão, ainda, os homens essa Humanidade a que pertencemos, ou revisitar o Passado tornou-se, tão só, uma actividade superficial e turístico-económica?
Mundos em ruínas...
Mapa do Sudão. Fonte: CIA
RECORTES:
“Pelo menos 498 crianças no Sudão e provavelmente centenas de outras morreram de fome” desde o início da guerra, em 15 de abril”, disse o diretor da ONG no Sudão, Arif Noor, num comunicado citado pela agência France-Presse. (SAPO, 21/8/2023)
Conflito no Sudão já causou mais de quatro milhões de deslocados (JN, 21/8/2023)
"Dois senhores da guerra estão a provocar uma catástrofe de consequências imprevisíveis na região conhecida com “corno de África”.
(Sapo, 12/5/2023 - J. Couto Nogueira)
O Sudão é aquele país que fica entre o Egipto, a Norte, e a Etiópia, a Leste, e ainda faz fronteira com a Líbia, o Chade, a República Centro-Africana, o Congo e o Uganda. Tem portos no Mar Vermelho (na rota do Canal de Suez) e é na sua capital, Cartum, que se encontram o Nilo Azul e o Nilo Branco para formarem o grande rio que é vital para o Egipto. Através do Mar Vermelho está em contacto com a Arábia Saudita. A rota do Canal tem interesse estratégico para os Estados Unidos, a China e França, os três com bases militares em Djibouti, um micro-país do golfo de Aden entalado entre a Eritreia, a Etiópia e a Somália. E a Rússia, que pretende instalar uma base naval na costa, está presente através do Grupo Wagner, que explora minas de ouro.
(...)
Inúmeras são as fontes noticiosas. Não podemos virar o rosto e participar da desumanidade globalizada.
" Quis, na melhor tradição literária, deixar registo escrito desse momento em que tudo deixa de ter importância – o quotidiano, a conta bancária, as reuniões, o trabalho – e em que um homem, numa cama dos cuidados intensivos, se interroga sobre a sua existência e até sobre o sentido da vida." (Guerra e Paz, editora)
"Este é um livro em que se arrisca a morte, em que se insinuam «segredos de Estado» ou as mais intrincadas conspirações internacionais e em que tudo se resolve com uma arma, a do diálogo e da diplomacia."(Guerra e Paz, editora)
Acabo de ler estes dois livros, curiosamente da mesma editora...talvez por os ter comprado juntos na última Feira do Livro de Lisboa. Nessa altura, já acometida pelo mal contra o qual luto, apeteceram-me obras/testemunhos não ficcionais para reforço interior. Prometi a mim própria que não deixaria o cérebro acomodar-se a não me construir as imagens mentais daquilo que mal observava. Assim foi. Ainda com a realidade meio distorcida, quando encaro uma página repleta de palavras, vou clareando a visualização do Mundo exterior. Já não é mau...prossigamos!
No espaço dos países do sul da Europa (de influência mediterrânica) a origem do culto remonta às religiões primitivas e, dizem os críticos, constitui metamorfose de outros cultos originários. Assim, a origem do culto do feminino segura as suas raízes populares entre olivares e vinhedos e evoca: Isis, Atenea, Cibeles, Astarté... Sincretismos da Grande Mãe.
A deusa, a Mãe, preenche o imaginário dos homens, na forma idealizada da mulher! É a Senhora, nunca a “virgem”, adorada entre antas e menires, a guiar riachos e a proteger caminhos milenares.
O seu rosto sofreu a deformação da História, porque a política e a religião constroem-se sobre a mesma matriz – da hierarquia e do poder. Assim, consoante os interesses em jogo, o culto a Isis sofreu matizes e acentuou traços: a dedicação, a claridade, o sacrifício abnegado pelo filho… Isis, a Luz do Mundo, a deusa dos mil nomes, encerra na sua simbologia uma severa contradição para a ideologia cristã. “Senhora dos Prazeres”(?!) , tantas outras, num absurdo que o cristianismo não conseguiu substituir..
Ísis é uma deusa da luz, zelosa com todos, sejam escravos ou nobres, pecadores ou sagrados, governantes ou governados, homens ou mulheres. Ela olha por todos com o mesmo empenho protector, a mesma solicitude, exercitando assim a sua natureza radicalmente maternal e fértil.
Lúcifer é o portador da luz, a estrela da manhã. A palavra Lúcifer vem do latim lux, que significa luz, e ferre, que é levar, transportar. É, portanto, o portador da luz, ou ainda a estrela da manhã ou filho d'alva desde antiguidade egípcia e clássica. A tradição cristã conhece o nome Lúcifer como o anjo caído que também é conhecido como Satanás. Esta concepção foi criada pelo putativo “São“Jerónimo ao traduzir de forma grosseira a Vulgata, a Bíblia em Latim, no século 4 d.C. – é o diabo.
Compadre Zé
(Algo desformatado...a merecer que aceitem o convite...)
Para que ela tivesse um pescoço tão fino Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos Para que a sua espinha fosse tão direita E ela usasse a cabeça tão erguida Com uma tão simples claridade sobre a testa Foram necessárias sucessivas gerações de escravos De corpo dobrado e grossas mãos pacientes Servindo sucessivas gerações de príncipes Ainda um pouco toscos e grosseiros Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um imenso desperdiçar de gente Para que ela fosse aquela perfeição
(do latim auctor, derivado do verbo augeo, 'aumentar') é aquele que cria, causa ou dá origem a alguma coisa, especialmente obra literária, artística ou científica.
Qualquer enciclopédia, por mais incipiente que seja, define cabalmente o que é essa entidade, diversa do cartão civil de identidade. A vigente cultura de cancelamento rotula e exclui. O Autor é um transgressor. A sua obra é a sua criação. Ele não é o homem político, mais ou menos querido ou odiado. Que seria de Rabelais, que seria de Saramago? Torga não era simpático, Vergílio Ferreira não sorria... e tantos outros seriam, hoje, excomungados pela doxa vigente.
Prémio Camões em 2019! E em 2019, como no passado...censurado
Arquivo Nacional do Brasil
"Chico Buarque vai receber o Prémio Camões, que lhe foi atribuído em 2019, no próximo dia 24 de abril, numa cerimónia a ter lugar no Palácio Nacional de Queluz, em Sintra, anunciou o ministério da Cultura.
A entrega do galardão está integrada na visita oficial do presidente brasileiro a Portugal e vai acontecer às 16 horas, numa cerimónia presidida por Marcelo Rebelo de Sousa e Lula da Silva.
O músico e escritor brasileiro foi o vencedor da 31.ª edição do Prémio Camões, em 2019, para distinguir a “qualidade e transversalidade” da obra de Chico Buarque, “tanto através de géneros e formas, quanto pela sua contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa”.
"A atribuição do Prémio Camões reconhece ainda “o valor e o alcance de uma obra multifacetada, repartida entre poesia, drama e romance”, um trabalho que “atravessou fronteiras e se mantém como uma referência fundamental da cultura no mundo contemporâneo”, justificou, na altura, o júri.
Chico Buarque mostrou-se “muito feliz e honrado de seguir os passos de Raduan Nassar”, seu compatriota distinguido com o prémio em 2016, enquanto Lula da Silva escreveu, da prisão, uma carta ao músico a felicitá-lo pela vitória.
No entanto, meses depois, Jair Bolsonaro deu a entender que não assinaria o diploma do Prémio Camões, cuja entrega formal estava prevista para Abril de 2020, em Portugal, afirmando que assinaria o documento “até 31 de Dezembro de 2026”, altura em que terminaria o segundo mandato presidencial que não chegou a conquistar nas eleições de 2022.
Apoiante do Partido dos Trabalhadores, defensor de Lula da Silva e crítico do governo de Bolsonaro, Chico Buarque defendeu que o (não) gesto de Bolsonaro significava, para si, uma segunda distinção.
“A não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um segundo Prémio Camões”, escreveu, na altura, na conta oficial do Instagram." (onovo.pt)
Senhor de uma obra imensa e multifacetada, para lá das suas canções, aqui vos deixo uma possibilidade de edição em Portugal:
"Vivemos tempos em que o pasmo se torna rotina. Tomamos o pequeno-almoço com notícias que, não há muito, eram consideradas inverosímeis, política-ficção do pior gosto, que teria arruinado a carreira do mais reputado argumentista.
Professores com processos disciplinares por ensinar que o sexo é determinado por um par de cromossomas, contas de Twitter suspensas por referirem que a relva é verde, violadores condenados que dizem ser mulheres para os transferirem para uma prisão feminina onde violam umas quantas reclusas, estátuas de São Junípero Serra derrubadas por justiceiros descendentes dos puritanos que massacraram os indígenas norte-americanos, mulheres desportistas que veem o seu lugar nas Olimpíadas ocupado por concorrentes com genitália masculina, filmes inocentes desqualificados como se fossem abominações horrendas (agora até o Dumbo é politicamente incorreto!), palavras de sempre que, de um dia para o outro, se transformam em termos proibidos que podem arruinar a nossa carreira ou mesmo a nossa vida… Palavras canceladas. Estátuas canceladas. Livros cancelados e, até, pessoas canceladas. Tudo deve ajustar-se aos moldes do politicamente correto. A pergunta é óbvia: enlouquecemos todos?" (sinopse)
Vivemos tempos estranhos e não nos poderemos distrair ou, o risco de nos submetermos ao poderoso movimento "Woke" e deixarmos de possuir massa crítica, tomará conta das mentes que ainda ousam pensar. Segundo o autor, estas pessoas julgam-se moralmente superiores. Se ousarmos discordar, seremos afastados, cancelados de todos os modos possíveis: nas redes, ditas, sociais; no trabalho; nos círculos; nas organizações de toda a ordem... assim, caminhamos para o pensamento único, para a autoritária doxa de todos os totalitarismos.
Vivemos num mundo com a argumentação em declínio. Até por os argumentos terem sido substituídos pela vitimização. Já não se procura a melhoria social, mas o proveito pessoal. Se não ousarmos discordar, regrediremos gravemente na História da Humanidade.
Eliminam-se as palavras, alteram-se os sentidos e ... reescrever os velhos livros tornou-se uma nova ordem Censória!
Ao acabar a minha leitura, não posso deixar de pensar: professores de Literatura (como eu)...em breve serão cancelados! Tudo o que ensinei, até hoje, vai contra esta nova forma de estar no mundo. Todos os textos foram, de um modo ou de outro, politicamente incorrectos e transgressores...fugas irremediáveis à norma.
Desde há muito tempo que o trimestre da Primavera me escapa. É Sul que me atropela! Silencia-se o blogue, por excesso de vida e, nos últimos anos, também de morte...são de Abril os meus mais queridos. Partiram, assim, entre flores no Outono das suas vidas. Talvez essas memórias íntimas e de pensamento recorrente me bloqueiem o estro rudimentar...
As escolas atolam-se de burocracia, agitam-se de medos e desconforto, numa profissão que deveria ser livre, na sua beleza diversa, e suficientemente remunerada para atrair os que a amam e precisam, a um tempo, de ganhar o seu pão. Mas tudo se tornou imposição, complicação, desnorte! Curiosamente, os alunos caminham para um analfabetismo de diversas ordens. Sinais dos tempos.
O Alentejo clama por mim e o exterior é, agora, o habitáculo por excelência. Jardim, pátio, parque, charneca, planície, meu amor...
Hoje, deixo apenas o sonho do respeito mútuo, da tolerância, do ar sereno...talvez um pouco triste pelos atropelos da recordação e, também, da memória dos dias da intolerância. O Alentejo não esquece.