Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

CONVITE e DESEJO DE FESTAS FELIZES

 





CONVITE

No dia 22 de dezembro de 2024, domingo, às 15h, ocorrerá a apresentação do livro de poesia SUL SERENO, escrito por Ana Tapadas, no Campo da Restauração, na 11.ª Edição da Feira do Livro de Ponte de Sor.

Contamos com a sua presença!


A apresentação literária está a cargo do conhecido escritor José Luís Peixoto, o que muito me honra.

O escritor foi meu aluno no 12.º ano. 

"O verdadeiro discípulo é aquele que supera o mestre."
                                                                            (Aristóteles)







quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Adonis, "Na Sombra das Coisas"

 

Gianfranco Gazzetti , Museu de Aleppo, 2008




Na sombra das coisas

Gosto de ficar na sombra das coisas
no segredo delas, gosto
de entranhar a criação
de vagar como as ideias
como a arte que se entranha
e, incerto, incauto
renasço a cada dia.

                                          Adonis (tradução Michel Sleiman)

Adonis (em árabe: أدونيس, pseudónimo de Ali Ahamed Said Esber — Al Qassabin, Lataquia, Síria, 1 de janeiro de 1930) é um poeta e ensaísta sírio, com uma longa carreira literária no Líbano e em França, autor de mais de vinte livros em língua árabe. Considerado o maior poeta contemporâneo de Língua árabe.








segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Poiesis, volume I

 



Página 17

    Foi há tanto tempo atrás, Março de 1999. O mundo era fresco como uma manhã orvalhada. Aconteceu-me este velho livro, num dia de arrumações. Amarelecido pelo tempo, ali estava ele...talvez as palavras que nele escrevi ainda façam sentido.


quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Sugestão de Leitura

 


 Tinha ouvido falar da autora, mas não lera nenhum livro dela. Foi com alguma surpresa que ouvi anunciar que este ano lhe fora atribuído o prémio Nobel da Literatura.
  Agora, regressada do Algarve, trago comigo o primeiro livro, oferecido pelo meu filho, que leio sofregamente, no aconchego do meu lar alentejano aonde já crepita o lume, ao serão. 
    É uma obra com profundidade e, sendo uma tradução, alguma subtileza da língua coreana por certo se perdeu, mas a linguagem, assim mesmo, é vibrante e intensa.
    
    A história de um professor de grego que vai perdendo a visão e de uma mulher que, sendo sua aluna, vai perdendo a voz. De grande densidade psicológica, num mundo cada vez mais superficial. Vale a pena ler.


quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Pontos de encontro

 

Telavive, sede do Likud - José Alves - 2019


Esta fotografia não é uma metáfora.

sábado, 26 de outubro de 2024

Sul Sereno - LIVRO

 




    É com alguma timidez que vos trago esta publicação, mas como já está à venda um pouco por toda a parte, seria impossível continuar a não vos anunciar isto... Foi, primeiro editado em Itália e em Espanha, mas agora ei-lo connosco.
    Depois de muitas hesitações, de muitos incentivos e do insuperável argumento de deixar uma "memória" para a minha neta Madalena, eis, finalmente, um livro com alguns dos meus poemas. Assim, também se explica o motivo do regresso ao título original deste blogue.

    A minha gratidão a todos, especialmente à académica Gerana Damulakis, minha madrinha poética - pelos blogues nos conhecemos. É dela a introdução e a contracapa:

Sinopse

«As realizações poéticas encantam, quando mais não fosse pela riqueza das imagens procedentes das possibilidades semânticas, seria pela musicalidade, tal a potencialidade rítmica dos versos. Vale lembrar que, em Arte Poética, Paul Verlaine escreveu no primeiro verso: "Antes de tudo, a música". Um bom exemplo está em Planura, com seus versos: Amo-te, porque te amo / Em definições extensas de dar... / E sinto-te quando te chamo /Dentro de mim, ao despertar! Os cantos vão prolongando os apelos que tornaram o sonho tanto refúgio quanto símbolo, construídos nas facetas fascinantes de um vigoroso discurso poético. Sonhemos, pois, com Ana e com seus poemas que trazem, em sua maioria, a palavra sonho, ora atuando como substantivo, ora como o verbo sonhar. O que precisa haver na síntese do sonho: amor e fé, pilares que apoiam quase um mito, tal a grandeza da esperança resultante. Agora vale lembrar outro poeta, Carlos Drummond de Andrade: "Amor - pois que é palavra essencial - / comece esta canção e toda a envolva". O processo de envolvimento e exame existencial conclui uma justaposição dinâmica, palavra e ritmo, com a qual é tecida a poética de Ana Tapadas. A poeta cria uma associação comunicativa fortalecedora de seus versos.»

Gerana Damulakis (Academia de Letras da Bahia)

    Espero que tenham a paciência de me ler. Podem encomendar aqui (ou nos locais do costume):



quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Frágil

 

Pólis, Agora de Atenas - José Alves


        Sentada na Agora, sinto esse silêncio de quem volta ao lugar de onde partiu um dia. Perto, o mundo entrou num turbilhão desmesurado. Aqui, o bosque me abriga e a voz dos filósofos ainda ecoa. Aqui, tudo se decidia e se escreviam as leis a cumprir.
    O Planeta, enlouquecido, enfurece-se contra a fragilidade dos humanos. Os humanos, enraivecidos, continuam as matanças. O caos impera e a religião usurpou o lugar do conhecimento, para justificar o paradigma que criou com a política.
    Estou sentada na Agora e aqui é o coração da Pólis. Sinto-me amparada, regressei a casa - aqui! 
     



Agora de Atenas - José Alves



Ana Tapadas, in Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea, Vol. XVI.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Por onde andaste?

 

Óbidos, 2024


As mais lindas palavras de amor são ditas no silêncio de um olhar.


(Leonardo da Vinci)


Mérida, 2024


Onde estavas, eu estava, e onde eu estava, aí querias estar.

(Provérbio Romano)


Peniche, 2024


Meu amor tem duas vidas para amar-te.

Pablo Neruda


Figueira da Foz, 2024



Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa

Manuel António Pina


Alcácer do Sal, 2024


Em Alcácer eram verdes as aves do pensamento.


Joaquim Pessoa


Ponte de Lima, 2024


Façamos da interrupção um caminho novo.
Da queda um passo de dança,


Joaquim Sabino


Ponte de Sor, 2024




Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos,


Vinicius de Moraes


Zurique




EM LOUVOR DO FOGO

Um dia chega
de uma extrema doçura:
tudo arde.

Arde a luz
nos vidros da ternura.

As aves,
no branco
labirinto da cal.

As palavras ardem,
e a púrpura das naves.

O vento,

onde tenho casa
à beira do outono.

O limoeiro, as colinas.

Tudo arde

na extrema e lenta
doçura da tarde.


In “Obscuro Domínio”, Eugénio de Andrade

Editorial Inova – 1971


segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Falanges


Líbano (google)
    
   O Líbano é, actualmente, um país quase falhado e um refúgio de forças de origens obscuras. Com mais de sete mil anos de civilização, o seu futuro é incerto.
  Li muito, durante a infância e adolescência, o Velho Testamento, pois esse era o hábito na casa da minha avó materna. Pode parecer estranho, mas quem conhece os alentejanos oriundos de Castelos de Vide e proximidades não se admirará. Criei um inegável fascínio pelos belos poemas dos Salmos. Talvez tenha, aí, surgido o meu amor pela poesia e o meu interesse por lugares remotos do mundo.
  Quando comecei a leccionar, tive um colega de Educação Física que pertencera à Legião Estrangeira e estava visivelmente perturbado. Gostava de ouvi-lo falar das ruas de Beirute designando-as pelos nomes e das tantas narrativas dos tempos em que lutara ou vivera nessas geografias. Depois, tinha uma expressão que, só agora, começo a entender:"Quando ali houver um conflito qualquer, perguntem sempre porque ninguém fala da falange cristã libanesa".
    

Cedros no Líbano (Google)

    
"Embora se defina oficialmente como uma organização política secular, a maioria dos seus componentes é cristã maronita. As Falanges estiveram implicadas em numerosos atos de guerra e massacres durante a Guerra Civil Libanesa (1975-1990), a exemplo do massacre de refugiados palestinos, nos campos de Sabra e Shatila." (Wiki) https://pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7as_Libanesas

    Afinal, por onde andarão os velhos libaneses da minha infância? Fenícios, que um dia cresceriam em Justiça?

    “Os justos florescerão como a palmeira, crescerão como o cedro do Líbano.” (Salmos 92.12)


    Meus amigos, que todas as falanges se apaguem da terra dos velhos fenícios que um dia, também, rumaram à nossa querida Ibéria.




terça-feira, 20 de agosto de 2024

Bilros

 

José Alves

    O bafo quente, destes dias, acolhe-nos e anicha-nos contra o peito ancestral da Terra. O ritmo dos dias altera-se e as noites alongam-se, flácidas como as madrugadas que Cronos habita.
    O amanhecer é suave, como sedas em países longínquos, com negro café em jardins do Mediterrâneo. Cada instante, perene de vida, enreda-nos e atira-nos para memórias velhas e sonhos de novos rumos. 
    Éramos tão jovens, quando, naquele Verão, nos casámos e, aqui estamos, tecendo os birlos do futuro. 


Renda de bilros, Nisa - Alto Alentejo



    A boca,

onde o fogo
de um verão
muito antigo
cintila.
O que pode uma boca
esperar
senão outra boca?

                      Eugénio  de ANDRADE, Obscuro Domínio, 1972.

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Alice

 

Funeral da pequena Alice, Reino Unido. (SIC)



Alice, este não é o país das maravilhas.




Banksy




Sugestão de leitura:



“Alice: Quanto tempo dura o eterno? Coelho: Às vezes apenas um segundo.”

segunda-feira, 29 de julho de 2024

A professora de Latim

 

Joana de Barros Baptista

"Dotada de uma visão profundamente humanista, sensibilidade que cultivou ao longo de anos enquanto professora nos ensinos secundário e superior, Joana de Barros Baptista cedo abraçou a ação cívica", recordou a família. (imprensa)




Querida Professora.
    Eu sou aquela miúda alentejana que fazia, duas vezes por semana, o percurso de Ponte de Sor até à Faculdade de Letras em Lisboa para assistir às suas aulas de Latim - eram quase seiscentos quilómetros semanais. 
    Espantou-se de eu ser alentejana, assim tão branca e de olhos claros. Só me reconheceu a determinação silenciosa, quase com ar de fragilidade, que a planície nos confere. Falei-lhe nesta bastardia de tantos invasores que a genealogia comprova e a geografia oculta.
    Ic sum  , dizia-lhe à entrada. Receio que a voz não escondesse um certo tremor que o medo de falhar sempre acompanha. A velha cave da Faculdade vergava-se ao peso das Línguas Clássicas e, nós, os das Românicas tremíamos na desvantagem que o Latim nos impunha. O nosso amor era feito de Teorias Literárias e de Literaturas. Sei que o adivinhava e a sua voz apressada transitava para a cultura romana, bem mais fascinante.
    Nos dias de frequência para avaliação, ía mentalmente declinando palavras, conjugando intrincados verbos e revendo as tantas excepções às inúmeras regras. Ah ... o Latim! Quatro anos de estudo de uma Língua que se vai apagando na memória!
    Porém, tinha que me despedir de si, neste dia. 
    Bem-haja, por ter cruzado o meu caminho.
    A Deus, professora Joana de Barros.


                                                         Ana Maria

"Joana de Barros Baptista (Lisboa, 16 de setembro de 1935 — Lisboa, 28 de julho de 2024) foi uma professora e defensora dos direitos da mulheres, em Portugal. Participou na criação do primeiro mecanismo oficial para a igualdade entre mulheres e homens, em Portugal. Em 2021, foi condecorada com a Ordem da Liberdade." (Wiki)

terça-feira, 16 de julho de 2024

NÃO PRECISO DE DINHEIRO

 

Alvor, Junho de 2024



Eu não preciso de dinheiro
Preciso de sentimentos.

De palavras, de palavras escolhidas sabiamente.
de flores, chamadas pensamentos,
de rosas, chamadas presença,
de sonhos, que morem nas árvores,
de melodias que façam as estátuas dançarem
de estrelas que murmurem ao pé d’ouvido dos amantes…

Preciso de poesia,
essa magia que queima o peso das palavras,
que desperta as emoções e dá cores novas.

Alda Merini (Milão, 1931 - 2009), a "Miúda de Milão"


Original:

NON HO BISOGNO DI DENARO


Io non ho bisogno di denaro.
Ho bisogno di sentimenti.

Di parole, di parole scelte sapientemente,
di fiori, detti pensieri,
di rose, dette presenze,
di sogni, che abitino gli alberi,
di canzoni che faccian danzar le statue,
di stelle che mormorino all’orecchio degli amanti…

Ho bisogno di poesia,
questa magia che brucia le pesantezza delle parole,
che risveglia le emozioni e dà colori nuovi.




quarta-feira, 10 de julho de 2024

Despertemos!

 




    As alegrias são breves - como no soberbo título de Vergílio Ferreira -  e sobre isso não nos restam dúvidas.
Assim foi, feliz de ter torneado o meu problema ocular mais uma vez, eis-me atacada pela minha primeira infecção por covid19. Irónico, não é?
    Numa das idas à capital (que em bom rigor, dizem-me, ainda é Coimbra), lá percorri a Feira do Livro de Lisboa e me actualizei de mais umas novidades. Entre elas, este admirável livro ou manifesto do centenário Edgar Morin que, há dias, completou 103 anos e continua senhor de uma lucidez e de uma capacidade de síntese mental extraordinárias.
    Uma obra que prova bem como a linguagem da esperança nunca se deverá perder. Uma obra que desdiz esta sociedade fútil submetida ao deus da Economia e do individualismo na qual o preconceito designado por "idadismo" se tornou omnipresente - Tanto no trabalho, como nas relações sociais.
    Certo que tenho a mesma ascendência étnica, certo que penso como ele até sobre esse facto:


""Os judeus de Israel, descendentes das vítimas de um apartheid denominado ghetto, guetificam os palestinianos. Os judeus que foram humilhados, desprezados, perseguidos, humilham, desprezam e perseguem os palestinianos. Os judeus, que foram vítimas de uma ordem impiedosa, impõem a sua ordem impiedosa aos palestinianos. Os judeus, vítimas da desumanidade, mostram uma terrível desumanidade." (WIKI)

    Admiro-o na lição de sabedoria que esta obra contém, pois é difícil manter a esperança no mundo que habitamos. Despertemos! do sonambulismo geral em que parecemos viver, enquanto o mundo se transforma.
    



quarta-feira, 26 de junho de 2024

"Para o Zé"

 


 

   
Adélia Prado é, aos 88 anos, o Prémio Camões 2024.


"Versos da mineira, que Drummond chamou de 'lírica, bíblica, existencial', misturam religião, desejo e morte, falando sobre as angústias das mulheres da família que gostam de sexo e temem a Deus." (O Globo, 26/6/2024)


Ontem, depois de mais uma ida ao Hospital da Luz em Lisboa para outra consulta e exames de oftalmologia e de ver a ansiedade no rosto do meu Zé, lá recebi boas notícias. A vista está de novo ilesa. E eu que nem sabia que poderia existir uma trombose ocular...não fora ter capacidade para pagar os exames e as dispendiosas injecções intraoculares e estaria cega desse olho! Não posso deixar de pensar nisso, pois na urgência de há um ano, em Évora, nem sinais de um oftalmologista nesse dia...

Meus amigos sou-vos grata pela paciência e pelas palavras!
À Adélia Prado roubo este poema para o meu Zé.

Retribuirei, a seu tempo, as vossas visitas.



cá está ele, de novo



Para o Zé

Eu te amo, homem, hoje como
toda vida quis e não sabia,
eu que já amava de extremoso amor
o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos
de bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe — os
lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.

( Adélia Prado ) - DAQUI
(Do livro Bagagem. São Paulo: Siciliano, 1993. p. 99)




segunda-feira, 10 de junho de 2024

Portugal

 

Monsaraz, Cromeleque do Xerez, 10 de junho


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjetivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!


Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . . .

                                         Alexandre O´Neill

P.S.:ando de novo a cuidar da minha visão.



quarta-feira, 29 de maio de 2024

Sugestão de leitura - da tolerância

 

capa: El Greco, "Vista de Toledo", 1599


    Não é uma novidade literária, mas uma leitura necessária nestes tempos de futilidade e de intolerância.


    " A tempestade desaba sobre a cidade apoiada na rocha. Visão telúrica de uma cidade mítica, fronteira medieval entre a guerra e o sagrado, entre o oOcidente e o Oriente. Foi assim que El Greco a viu, em determinado momento.

    Toledo de 1085. Posto avançado militar da Reconquista cristã em relação ao Islão espanhol. Ilhota de tolerância, ponto alto do saber. Um papel complexo e paradoxal.

    Árabes, Judeus, Castelhanos, Francos, Moçárabes, Mouros conversos...uma população heterogénea coabita numa cidade marcada pelo Islão, pela medina de casas apertadas umas contra as outras, numa rede de ruelas tortuosas. À esquina das ruas, há igrejas que, em vez de campanários têm um minarete..."
    
    Neste cenário, nesta ambivalência, florescem ciências. Sobretudo a arquitectura, a astronomia, a matemática, a filosofia e a medicina passam por um desenvolvimento excepcional, graças aos tradutores e aos sábios que vão revelar à Europa as obras de Euclides, Ptolomeu, Hipócrates, Galeno ou Aristóteles.

    Cidade farol, símbolo de uma relativa tolerância - durante dois séculos, antes da Inquisição católica e da expulsão dos Judeus -, Toledo mostra-nos como, da mistura de culturas, brota o espírito."  ( org. de Carlos Araújo/ org. de Louis de Cardaillac) 



Wikimedia




O que ver em Toledo:





domingo, 19 de maio de 2024

Árvores

 

Suíça, Zurique, 2021


Sem fadiga, as árvores regressam
ao poema. Primeiro as laranjeiras,
a seguir entram as tílias.
Sempre estiveram perto, incapazes
de se afastarem dos pequenos
olhos imensos.
À sombra dos cavalos
podia vê-las chegar carregadas
do seu aroma, dos seus frutos frios.
A tarde chegava ao fim
mas tive tempo ainda
de as sentir, com um sorriso, aproximar.

                               
Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede, 2001

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Os poetas não morrem



                                         (n. Loulé, 14/01/1938 - m. Braga 16/05/2024) - pelo poeta


Saltei os cinquenta e acabo de entrar
Na via do mestre onde não há via nem
Glória para além do pé que pisa

As águas que passam. E vou com elas 

Assim leve nos acasos desta viagem

Sem retorno. Abandonei entre as ervas

Os livros de ouro e as moedas

De prata — o palácio do ser enfim desviado 

Das grandes estradas. O brilho das estrelas

Lembra-me que houve uma infância 
indecifrada.
Tanto melhor. Saltei os anos — 

Libertei-me da casca pouco a pouco 

Acumulada. Que mais desejar? Praias 

Desertas? Beber com a lua? Ouço a doce 

Respiração amada; divido com ela

O belo capital que me resta: estas mãos 

Vazias; velas de um corpo que desliza 

Entre as folhas do outono caídas no chão.

                                             Casimiro de Brito

    Conheci Casimiro de Brito pela mão da minha querida Ana Hatherly. Foi um encontro fugaz que, depois, continuou pelo "Facebook"...partiu hoje de Braga, deixando-nos uma obra extensa (mais de setenta títulos) e diversificada (poesia, conto, ensaio...). 
    É, sem dúvida, um dos maiores poetas portugueses dos séculos XX-XXI.




quarta-feira, 15 de maio de 2024

Não nos sirvam cicuta

 

Cicuta
    


"Sócrates anuncia aeroporto em Alcochete
    O novo aeroporto será construído em Alcochete e a terceira travessia do Tejo entre Chelas e Barreiro combinará comboios com automóveis.
O novo aeroporto de Lisboa vai ser construído na zona do Campo de Tiro de Alcochete, devendo ficar pronto entre 2013 e 2014. A decisão foi anunciada pelo Governo esta quinta-feira, dia 10, em conferência de imprensa, após a reunião do Conselho de Ministros. " (EXPRESSO, 10/01/2008)
Cicuta (Wiki)

"Montenegro anuncia aeroporto, TGV para Madrid e nova ponte sobre o Tejo

    Governo confia que o novo aeroporto de Alcochete, Aeroporto Luís de Camões, terá em 2031 as duas pistas já concluídas e que em 2034 já será possível a ligação em alta velocidade Lisboa-Madrid. Do plano faz parte a terceira ponte sobre o Tejo. O atual aeroporto de Lisboa deixará de existir." (Diário de Notícias, 14/05/2024)

    Num país em as lutas políticas se sobrepõem ao desenvolvimento social, a verdade é uma coisa fluída e, jamais, firme.
    A cicuta, planta comum por todo o território, passa quase sempre despercebida. Por favor, tenham cuidado, meus amigos.
    
Sugestão de leitura:




"Argumentum ornithologicum
    Fecho os olhos e vejo um bando de pássaros. A visão dura um segundo, talvez menos; não sei quantos pássaros vi. Era definido ou indefinido seu número? O problema envolve o da existência de Deus. Se Deus existe, o número é definido, porque Deus sabe quantos pássaros vi. Se Deus não existe, o número é indefinido, porque ninguém conseguiu fazer a conta. Neste caso, vi menos de dez pássaros (digamos) e mais de um, mas não vi nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três ou dois pássaros. Vi um número entre dez e um, que não é nove, oito, sete, seis, cinco, etc. Esse número inteiro é inconcebível; ergo, Deus existe." (pág. 15)

Aqui: 

sexta-feira, 10 de maio de 2024

O Verão já assoma

 

Alentejo, 2024

    Escorregamos pela planura. O Verão espreita-nos, cúmplice dos longos dias e do Sol a pique. Partimos por aí, como as aves do Sul, errantes sem perdermos o rumo. A espaços, ficamos em silêncio. Conhecemos essa pausa na melodia dos dias. Sei no que pensas e sabes que me calo para que o possas pensar.


Rio Guadiana, 2024

    Mais além, ainda há sinais da rebelião das águas. Foram dias de tantos rumores, partidas abruptas e estradas infindáveis por onde a mágoa e as partidas eram irremediáveis. o Tempo, que tudo devora, traça os limites do inefável. 


Ponte de Lima, 2024

    Ao vórtice se sucede, por vezes, uma explosão de cor, pois a vida se impõe e é forçoso sermos recordados que de recomeços se constroem os dias. Deixa que a memória acomode a saudade.
    Deslizemos por aí...que o Verão já assoma.
    

Alentejo, 2024